Tecendo considerações sobre a personalidade dos povos, Leon Tolstoi desenha em “Guerra e Paz”, personagens reais e fictícios, nos cenários onde guerreiros de variada etnia e nacionalidade; alemães, russos, austríacos, franceses e ingleses, adentravam as estepes russas na campanha de Borodino e Smolenski empreendida por Napoleão Bonaparte na funesta conquista de Moscou em 1812.
Dos alemães, dizia ele traçando um de seus personagens:“Pfull era uma dessas criaturas que uma confiança desesperada em suas ideias de verdade pode levar até o martírio, e que só se encontram na Alemanha, porque somente os alemães baseiam sua segurança sobre uma ideia abstrata, a ciência, isto é, o pretenso conhecimento da verdade absoluta”.
Dos britânicos o romancista dirá também: “O inglês está seguro de si porque se crê o cidadão do Estado mais policiado do mundo: na qualidade de inglês sabe sempre o que deve fazer; na qualidade de inglês sabe que tudo quanto faz é indiscutivelmente bem feito”.
Já dos italianos prossegue o russo: “O italiano está seguro de si porque sua natureza facilmente emotiva fá-lo esquecer-se de si mesmo e dos outros”.
Dos franceses dirá o mestre: “O francês está seguro de si porque imagina que exerce, quer pelo seu espírito, quer pelo seu físico, uma sedução irresistível, tanto sobre os homens como sobre as mulheres“.
Sirvo-me destas observações tolstóicas, porque o noticiário está a louvar o “puxavante” de orelhas que o Presidente Emmanuel Macron resolveu dar, la do outro lado do Atlântico, no nosso Presidente Jair Bolsonaro, por conta dos incêndios acontecidos na Amazônia.
Em verdade, o assunto restou sobremodo importante, porque a grande imprensa pátria, provinciana e sempre subserviente ao pensamento europeu, e ao perfume francês, inclusive aquele da dejeção dos seus patês, reverberou em demasia a descortesia, por melhor estupor, o seu continuado desamor com o capitão Presidente, que por aqui foi escolhido em expressiva maioria de votos do eleitorado, mas que permanece sem o seu endosso e aprovação, dela imprensa.
E em desagravo desta má aprovação, o Presidente Macron, aquele que pouco chorou e nunca se culpou quando a Igreja de Notre Dame de Paris virou fogueira, gritou la no G7 em Biarritz: – Acuda! “Nossa casa está pegando fogo. Literalmente… É uma crise internacional”.
E nesse grito juntou fotos antigas, retiradas de um livro sobre a Amazônia da décadas de 90, do fotógrafo Loren Mcintyre, morto em 2003, para alarmar uma patota que não é tão dele, no G7, convidando o grupo a debater as queimadas da Amazônia, atacando o Presidente Bolsonaro, fazendo coro à ampla crítica dos xiitas ambientalistas mundo afora.
O Presidente Bolsonaro, sentindo o golpe desferido pelas costas, estrilou justo em repulsa real: “A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século 21”.
Desnecessário dizer que meio mundo de gente adorou quando Emmanuel Macron se somou aos críticos de Bolsonaro, que elogiam a alternância de poder quando se encontram debaixo do mando na oposição, mas que se encontram terrivelmente infelizes com pouco mais de duzentos dias sob a égide de seu governo.
E como o fogo acontece sempre nestes tempos termidores, eis que a chama se alastrou acrescida pela fama que agora tudo estava acontecendo por mando e vontade de desmatadores e exterminadores das nossas florestas empossados e encastelados no poder.
Do fogo da floresta, sirvo-me agora de outras leituras, até para mencionar uma opinião que vale citar até para conhecer.
Em seu recente livro, “Ordem e Decadência Política”, de Francis Fukuyama, o autor de “O fim da história e o último homem”analisa a evolução da missão do Serviço Florestal Americano criado a partir do Grande Incêndio de Idaho de 1910, que queimou mais de 1200 acres de Idaho e Montana e causou a morte de 85 pessoas, gerando um clamor público de modo a se concentrar cada vez mais na supressão de incêndios florestais.
“O combate a incêndios – diz Fukuyama– é uma questão de administração científica. Na década de 1980 o Serviço Florestal Americano cujo quadro permanente tinha crescido para cerca de 30 mil, empregava dezenas de milhares de bombeiros nos anos de pico de incêndio, uma grande frota de aviões e helicópteros e gastava US$1 bilhão por ano na missão de combate a incêndios”.
Fukuyamafala que:“a ‘silvicultura científica’, no combate aos fogos não entendia o papel dos incêndios na ecologia florestal. Eles são uma ocorrência natural e têm uma função importante na saúde das florestas do Oeste. As árvores intolerantes à sombra, como os gigantes pinheiros e sequoias, precisavam de incêndios periódicos para limpar áreas nas quais novas árvores da espécie pudessem crescer e essas áreas eram invadidas por abetos com a supressão dos incêndios (Os pinheiros americanos de fato exigem o fogo para propagar suas sementes.) Com o passar dos anos, essas florestas desenvolviam altas densidades arbóreas e enormes e acúmulos de vegetação rasteira seca e os incêndios, quando ocorriam, tornaram-se muito maiores e mais destrutivos”.
E como tais incêndios ficaram bem maiores e mais difíceis de controlar, “os ecologistas passaram a criticar o próprio objetivo de prevenção de incêndios, o que levou o Serviço Florestal, em meados de 1990, a adotar uma política de ‘deixar queimar’”.
Cabe então a pergunta: não seria uma heresia dizer que cientificamente para a saúde da floresta o melhor é “deixá-la queimar”?
Heresia ou não, há, todavia, essa tese.
Ela é inerente à necessidade do vegetal que, para realizar o chamado sequestro ou captura do Carbono é preciso existir antes o CO2 e este seja consumido pela fotossíntese.
E só há o CO2 livre na natureza como derivado da combustão dos compostos de Carbono.
Se os incêndios de florestas acontecem como uma necessidade científica, é preciso separar o incêndio criminoso fruto de uma terra sem lei.
Ora, o Presidente Bolsonaro, embora tenha sido denunciado como mentiroso desmatador e inimigo da boa conservação do meio ambiente, não é alguém que incita a desordem, embora os seus críticos o vejam assim; alguém que é preciso condenar porque não é de todo agrado.
Pelo agrado de Macron, agora tentando amaciar seus oponentes coletes-amarelos, eis eleito Bolsonaro como o homem perigoso, afinal “ele é xenófobo, quiçá estuprador, fascista”, e pior frasista, porque é alguém que ousa, em tempos atuais, pôr guizos em estatistas, denunciá-los todos em tantos simpatizantes de comunistas.
Embora poucos o vejam assim, Bolsonaro, na prática e no discurso, quer modernizar o país, reformando ousadamente a previdência social, retirando Estado regulamentador do pescoço do cidadão, trazendo contra si toda gama de oposição, e por isso é condenado mundo afora, como um governo “ILIBERAL”,essa palavra nova, considerada palavrão.
Palavrões à parte, desde que o Muro de Berlim caiu, ninguém refez o seu pensar ideológico.
É a famosa “Amnésia Histórica”, citada por Ernest Renane referida também por Francis Fukuyamana obra acima citada, afinal a humanidade, no afã do esquecimento do que lhe é incômodo, sempre recria a realidade olvidando aquilo que lhe restou bem mais doloroso enquanto miséria.
Não é à toa que a Praça da Concórdia simboliza a harmonia dialógica entre a carótida e o cutelo.
Do mesmo modo, a mesma França que foi intolerante com suas guerras internas de religião, seu tratamento opressor com as suas ex-colônias como a Argélia, São Domingos e Indochina, crê-se lhana e pacífica, agora com um Macron menor a querer exibir uma liderança que não possui.
No dia 6 de gosto, por exemplo, comemorou-se os 75 anos do “Dia D”,início da invasão do exército aliado nas areias da Normandia.
De modo igual, no dia 6 de novembro de 2018, comemorou-se os Cem anos do armistício da 1ª Grande Guerra, quando foi inaugurado em Reims uma estátua aos “Heróis do Exército Negro”, enaltecendo o desembarque das forças coloniais africanas, sem as quais a França não recuperaria seu território e autonomia.
Nos discursos pronunciados por Macron, os dois fatos representam feitos históricos franceses, em bora a França venha sendo desmoralizada nos campos de batalha, pedindo arrego a outros povos em socorro às agruras sofridas.
Não foi assim em 1870 com Bismark posando a Prússia nos salões espelhados de Versalhes. Em 1914 com Paris sitiada e sendo socorrida pelos americanos de Wilson. Uma lição bem repetida em nova dose, em 1945, agora fazendo 75 anos.
No discurso de Macron há, todavia, grandes fatos a comemorar como se a França tudo vencera com a fibra e glória de seu povo.
O próprio Estados Unidos, em seu discurso, longe de pensar em “America First”, só deveria se orgulhar se, em sendo a maior potência do mundo, utilizasse o seu valor para defender a liberdade, exclusivamente.
Nesse mesmo contexto, a floresta Amazônica é para ele um bem universal. É preciso que haja esse sentimento de apropriação por parte de dirigentes como Macron, que se crê vocacionado para liderar o mundo.
Volta-se a Tolstoi; “O francês está seguro de si porque imagina que exerce, quer pelo seu espírito, quer pelo seu físico, uma sedução irresistível, tanto sobre os homens como sobre as mulheres“.
Embora se entenda assim a História fala que o maior feito francês começou a desmoronar na retirada de Moscou, conquistada, mas nunca rendida.
O russo que para Tolstoi sempre se achava “seguro de si mesmo porque não sabe de nada e de nada quer saber e porque não crê que se possa conhecer perfeitamente o que quer que seja”, terminou vencendo com Kutuzov, um seu general sonolento.
Dos russos repetia anda Tolstoi com seu melhor desejo de simples oração: “Senhor, fazei-me dormir como uma pedra e fazei-me acordar como o bom pão”.
Dos brasileiros sabe-se que se entende mais como “cachorro vira-lata”,ou um “ex-cachorro vira-lata”, segundo Nelson Rodrigues, depois da conquista da Copa do Mundo de 1958 na Suécia.
No mais, o brasileiro é um gozador, gosta de sorrir da piada, mesmo perdendo o amigo.
Em brochuras à parte, Vinícius de Moraes, sem se sentir amoral nem pouco cordial, disse às mulheres em geral: “Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental”.
Alguém, um outro debochado, viu na acidez de Macron o ensejo para aplicar a pérola suja do poetinha, permeando a diferença entre as esposas dos presidentes brasileiro e francês, comparando-as fora da briga, sobrando ofensas por aqui e no além do Atlântico.
E Bolsonaro, porque sorriu e consentiu, restou pior desmatador que incendiário; o que não o incomoda, para melhor repasto de hienas posando de jornalistas.
De concreto, o fogo sempre apaga e a carniça perde o seu perfume.
O que não apaga é o ódio de muita gente que se vê excluído no sonho e na realidade, neste país que tenta crescer mas não consegue.