Clotildes Farias de Sousa
Doutora em Educação/UFS
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
E-mail: clotildesfs@gmail.com
A Biblioteca da Presidência da República abrigará o Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado. A semana começou com essa notícia (16/02), acompanhada de crítica da imprensa ao Governo Federal, por investir duas vezes, em sete meses, nas instalações do Programa “Pátria Voluntária”. Além dos danos financeiros ao erário, a crítica pautou-se no prejuízo causado ao acervo oficial da história política brasileira e aos usuários da Biblioteca do Palácio do Planalto. O Presidente Jair Bolsonaro reagiu, discursando favoravelmente à otimização dos espaços públicos, à facilidade do trabalho dos ministros e ao mérito da esposa que “trabalha de graça para o Brasil”. O Presidente, ainda, considerou uma “besteira” a preocupação dos repórteres e mandou uma “banana” como resposta para aqueles que o questionaram. Tal atitude, nos termos do jornalista Josué Rodrigues Silva Machado, que há quatro anos comentou gesto idêntico do Presidente José Ignácio Lula da Silva, foi considerada “Coisa lamentavelmente deselegante em público e quando desnecessário.”. Diante dos episódios noticiados, suscitam-se sérias questões acerca da ação solidária brasileira na atualidade.
No Brasil de hoje, ser voluntário é “trabalhar de graça”? Quem são os voluntários desta Pátria de 12,6 milhões de desempregados, segundo dados atuais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)? Sabe-se que, pelo Decreto n. 9.906, de 9 de julho de 2019, alterado pelo Decreto n. 10.194, de dezembro do ano passado, o Governo Federal instituiu o voluntariado no Brasil. Criado no âmbito do Ministério da Cidadania e depois da Casa Civil da Presidência da República, o Programa “Pátria Voluntária” teria a função de: “incentivar a participação dos cidadãos na promoção de práticas sustentáveis, culturais e educacionais voltadas à população brasileira mais vulnerável”. No entanto, esse tradicional modelo de ação estatal, no momento coordenado pela primeira-dama do país, Michelle Bolsonaro, pode ser considerado voluntariado? Por definição clássica, o princípio básico do voluntariado é a espontaneidade da ação dos cidadãos, orientada pela descoberta de causas e objetivos comuns.
No sentido moderno, o sentimento humanitário despertado em situações de tragédias coletivas pode até explicar a ação voluntária. Na história recente do país, “Brumadinho”, Minas Gerais, tornou-se exemplo de lugar onde tal sentimento desenvolveu-se. No auge do rompimento da “Barragem da Mina do Feijão” em 2018, voluntários de diferentes regiões do Brasil doaram tempo e recursos próprios em benefício das famílias atingidas e dos profissionais envolvidos nas buscas das vítimas. Segundo registros da imprensa, houve significativas, comoventes e espontâneas demonstrações de afeto. Parecia mera caridade cristã, mas não era. Tratava-se do despertar da consciência para a ajuda mútua, uma condição essencial a ser suscitada em contextos não emergenciais.
Nem assistencialismo, nem filantropia. A solidariedade consciente caracteriza o voluntariado na acepção científica. Esse tipo de solidariedade existiu no passado do Brasil, assim como existe na atualidade, embora precise atingir níveis mais altos de adesão. Dados do IBGE indicam em 2018 7,2 milhões de voluntários brasileiros, declarados, um número pequeno em relação ao total da população do país com mais de 14 anos. Só existe uma forma de aumentar a estatística do voluntariado, qual seja, por intermédio da educação. Educar para consciência solidária consiste em formar pessoas racionais e sensíveis, ou seja, que querem e gostam de praticar o bem.
A cultura da solidariedade é aprendida e deve ser ensinada na escola, portanto. Ninguém se torna patriota por força da lei ou da religião, somente pelo estudo, que eleva a capacidade de reflexão e conduz os indivíduos às condições razoáveis de sobrevivência. Nas instituições educacionais, as pessoas adquirem o senso de responsabilidade coletiva necessário à identificação das causas e objetivos comuns, respeitam e se submetem as regras da boa convivência, entendem o porquê da doação. O conhecimento escolar liberta e leva ao pensar e agir por si, de acordo com as próprias convicções. Faz desaparecer o temor gerado pelo poder do estado e emergir a cidadania, baseada no direito e no dever da participação social ativa.