Raquel Anne Lima de Assis
Doutoranda em História Comparada pela UFRJ
Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
Email: raquel@getempo.org
Orientador: Dr. Dilton Cândido S. Maynard (UFS/DHI)
Durante quase três horas e meia assistimos Frank Sheeran (Robert De Niro), conhecido como “o Irlandês”, relembrar e contar sua trajetória no crime organizado norte-americano quando prestou serviços à máfia italiana Bufalino “como pintor de casas”. O filme de Martin Scorsese, lançado pela Netflix em novembro de 2019, “O Irlandês” foi baseado em fatos reais e no livro de memórias de Charles Brandt, I Heard You Paint Houses (2004), que relata como o motorista de caminhão e sindicalista Sheeran ingressou na máfia como principal assassino e braço direito do seu chefe Russell Bufalino (Joe Pesci).
Como veterano da Segunda Guerra Mundial (1939-45), “O Irlandês” utilizou de suas habilidades para conquistar o respeito da máfia quando eles tinham problemas com alguém. Fiel ao seu chefe Russell Bufalino, Sheeran conseguiu angariar contatos e cargos no sindicato tornando-se amigo do presidente do sindicato dos caminhoneiros Jimmy Hoffa (Al Pacino). Contudo, depois de assassiná-lo em 1975, os Bufalinos tornaram-se alvo da polícia e seu assassino número um, o principal suspeito.
Para além da história de crimes, negociações e “pinturas de casas”, o filme procura também abordar as relações que Sheeran mantinha com sua família, principalmente com sua filha Peggy, que não aceitava seu tipo de trabalho. Um outro ponto que pretendemos destacar são os noticiários televisivos que recorrentemente aparecem no filme. Por meio das notícias de TV podemos notar como o contexto histórico da segunda metade do século XX é colocado como plano de fundo.
Assim, são mencionados fatos como a Revolução Cubana (1959) liderada por Fidel Castro e a preocupação da máfia com este episódio, pois perderam seus cassinos na região após as medidas nacionalizantes do novo governo. A esperança de que a eleição de John F. Kennedy colocaria um fim no regime de Castro diante de suas investidas, como o ataque na Baia dos Porcos (1961), sendo mencionado no filme o fracasso desta tentativa. Como também a Crise dos Mísseis de 1962 que foram instalados pelos soviéticos na região, o que levou a tensões diplomáticas entre URSS e EUA e ao perigo de uma guerra nuclear.
Além disso, é mencionada de forma sutil a aliança entre a CIA e a máfia contra Castro. Segundo alguns historiadores, esses criminosos foram contratados para assassinar o líder cubano. Também no filme foi noticiado com certo pesar entre os personagens o assassinato de Kennedy (1963). Na mesma cena, entre os noticiários podemos perceber uma propaganda do Nescafé e sua nova forma mais rápida de preparar café. Este novo tipo de café solúvel representa os novos tempos de busca de eficiência e rapidez nos afazeres do cotidiano.
Por fim, ainda foram mencionados o caso Watergate (1972) envolvendo o presidente Richard Nixon, levando à sua renúncia, e a Guerra do Kosovo (1998-99) na Sérvia. Portanto, percebemos como o filme de Scorsese vai além da preocupação com a biografia do “Irlandês”, mas como sua vida estava integrada aos fatos históricos ao seu redor, assim como qualquer indivíduo ao longo da história. Desta forma, percebemos como o filme pode nos ajudar a entender não somente a história da máfia, mas também alguns acontecimentos que marcaram a Guerra Fria.