Para Miguel, com amor!

Vi sua mãe usando máscara, onde a voz dela, abafada, mostrava a dor. Sua mãe, empregada, precisou justificar e pedir justiça através das redes sociais, para que assim um Brasil-racista possa enfim ser justo com você, Miguel. Piada, né? Sua mãe, que pediu a justiça de Deus, será que ela conseguirá? Sua mãe, que pediu a justiça do homem, será que ela conseguirá? Do homem, Miguel, não se pode esperar nada, você sabe! Da justiça de Deus? Só Deus sabe! Que mundo é esse onde, em meio a uma pandemia, sua mãe teve que trabalhar arriscando a própria vida e a sua, Miguel, em troca de dinheiro pra comprar comida? Eu não sei explicar!

O choro de uma criança negra incomoda mais ou menos? Incomoda a quem? A mãe de Miguel precisou levar os cachorros da patroa para fazer suas necessidades na rua. Sua única necessidade era que alguém olhasse seu filho. Para alguns, uma simples troca. Para outros uma troca sórdida. Para a patroa algo injusto, óbvio, porque ela queria se livrar dos cachorros e do filho da empregada e “sabiamente”, a idiota colocou a criança de cinco anos dentro do elevador e mandou ela se virar atrás da mãe. O que passa na cabeça de uma pessoa assim? O que passou na cabeça de Miguel, que no alto dos seus cinco anos não soube procurar a mãe? Por que Miguel não foi sozinho, num lugar desconhecido pra ele, procurar a própria mãe? Será o fato dele ter, apenas, cinco anos ter influenciado ele não saber se virar? Meus Deus, Miguel era só uma criança!

Num mundo de adultos escrotos, patrões politizados e escrotos, políticos mais que escrotos: vis, a empregada preta que precisa enfrentar uma pandemia levando seu filho pro próprio trabalho porque não tem com quem deixar a criança é a responsável por tamanha desgraça, quando foi a patroa que colocou a criança sozinha num elevador, facilitando assim com que a mesma caísse do prédio? Por favor, só existe uma única culpada nesta equação: a patroa escrota!

Só penso: coitada da mãe do Miguel, que mesmo dilacerada ainda teve que dar entrevistas pedindo justiça, porque a patroa assassina pagou fiança de 20 mil e saiu linda pra casa, talvez pra terminar de fazer as unhas, começadas antes de despachar Miguel sozinho no elevador. Espero que as unhas dela caiam, porque ela jamais vai apodrecer numa cadeia, pois, caso você não saiba, no Brasil, rico só vai preso em novela mal escrita!

Andamos com dificuldade para respirar, porque o Brasil teima em não reconhecer os bons, favorece quem não presta e enaltece criminosos. O “Brazil” não conhece o Brasil, falava a letra da música, e jamais vai conhecer, enquanto os privilégios forem de poucos, e zero pras mães de Miguel, João Pedro, Antônio…

Que mundo louco esse onde a dor suplantada, criada a partir da morte do filho, precisa abrir espaço para que a aclamação pública contribua pedindo justiça também por ela. Primeiro erro: foi a mulher ser obrigada a trabalhar enquanto os patrões, ricos, estão em casa, de boas. Segundo erro: a patroa impaciente, pelo choro da criança, jogar essa mesma criança à própria sorte. Terceiro erro: ah deixa pra lá. Quantos erros numa única histórica. Numa única dor.

Miguel, talvez, nunca tenha conhecido o significado da palavra sorte: nasceu pobre, filho de mãe doméstica, brasileiro, e caiu do nono andar. Miguel, talvez, nunca tenha tido sorte, talvez, porque vi nas palavras de sua mãe que ele conheceu o que era o amor de mãe. E amor, nos dias de hoje, é mais que sentimento, é uma questão de sorte!

E aí, quantos minutos de silêncio a morte de Miguel merece?

 

NOTA PESSOAL!

Esta coluna volta depois de mais de um ano de espaço vazio aqui na Infonet. Minha relação com a escrita precisa de sentimento. Como aqui são crônicas, sobre o cotidiano e suas relações, necessito sempre abastecer minha cabeça com a palavra antes de escrever as coisas. Às vezes isso vem fácil noutras vem com sofrimento, mas sempre vem. Escrever, no Brasil de hoje, é mais que um ato é morrer um pouco em cada frase construída. Por isto resolvi voltar porque se for pra morrer, intoxicado pelas coisas ruins do Brasil, que seja assim num site bem lido pra que, pelo menos, minhas palavras ganhem vidas. Caso você ainda não saiba, escrever é morrer também.

Já tem algumas semanas que venho me influenciando por coisas externas. Evito. Luto. Brigo. Mas essa influência é orgânica, me atinge sim! A morte do menino Miguel me pegou num dia qualquer, já estava meio balançado pelas questões políticas e tal, daí a imagem do menino sozinho no elevador me levou pra dentro de um lugar sombrio. Chorei. Sozinho. No meu quarto, entre uma aula on-line e a saudade que eu tava de falar com meus amigos e ver Raphael. Me senti todo errado naquele dia. Me senti sujo em presenciar tamanha crueldade. Eu queria estar naquele elevador com Miguel pra segurar a mão dele e sairmos pra encontrar a mãe dele, na rua do prédio. Mas eu não tava ali e Miguel não está mais aqui.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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