Solidariedade e violência em tempos de pandemia

Paulo Roberto Alves Teles

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ

pauloteles_aju@hotmail.com

Fonte: https://twitter.com/TamaraGuerraCu/status/1248600431930073090/photo/1

O ano é 2020, e aquilo que já se acreditava superado é, mais uma vez, trazido à tona: o debate Socialismo x Capitalismo. No entanto, essa discussão vai muito além dos elementos essencialmente concentrados em modelos econômicos marcantes ao longo da Guerra Fria (1945-1991); o que está em pauta hoje é um tema muito mais amplo e até mesmo filosófico: como a pandemia trazida pelo vírus SARS-CoV-2 transformará as nossas vidas e a nossa maneira de relacionarmos com as pessoas e a realidade que nos cerca?

Recentemente, o filósofo esloveno Slavoj Žižek apontou que a pandemia teria sido responsável por colocar o sistema capitalista em que vivemos em xeque. O modelo caracterizado pelo Estado Mínimo, tão defendido nas últimas décadas, se mostrou insuficiente para atender as demandas sociais e humanitárias surgidas diante da crise. Em virtude disso, Žižek entende que estamos assistindo ao surgimento de um novo modelo, uma espécie de neocomunismo.

Obviamente que não nos referimos aqui aos modelos totalitários norteados pela ex-URSS, mas sim, a algo novo que toma como princípio fundamental a ideia de solidariedade. Assim, temas como a renda básica universal, sistema público de saúde e a intervenção do Estado na produção industrial para atender as demandas sociais ganham enorme respaldo em vários países, Estados Unidos incluso.

Como contraponto a essa visão, o também filósofo Byung-chul Han (sul-coreano) afirma que Žižek se equivoca. Para Han, além de não ter se enfraquecido, é possível que o modelo capitalista se torne ainda mais violento e, no pior dos cenários, mais autoritário. Han argumenta, com preocupação, que assistiremos a um processo de instituição de governos autoritários caracterizados por mecanismos mais fortes de vigilância digital. De acordo com ele, a necessidade de quarentena e isolamento social pode transformar Estados de exceção em situações “normais”. Além disso, o autor também afirma que cada vez mais nos preocuparemos com a nossa própria sobrevivência e, com isso, quem tiver mais recursos econômicos possuirá mais vantagens nessa disputa.

Ainda no campo da filosofia, o camaronês Achille Mbembe discute, como forma para entender esse delicado momento, o conceito de necropolítica. Para ele, a forma pela qual as instituições públicas têm lidado com a situação pode definir quem receberá subsídios para viver e quem será deixado para morrer. O próprio debate que envolve a falsa dicotomia economia x saúde demonstra parcialmente essa ideia. Então, qual análise está correta? Qual dos pensadores abordados acima tem razão? Cabe a mim, enquanto historiador, esperar. Ainda que já seja possível traçar algumas análises e, sobretudo, uma conclusão: nada será como era antes.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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