Adson do Espírito Santo
Graduado em História – UFS
O grupo inglês The Beatles foi um dos principais grupos musicais entre os anos 60 – 70, tendo a sua produção musical e influência tão perenes que ainda “toca” milhões de pessoas. O filme Yesterday, lançado em junho de 2019, dirigido por Danny Boyle, mostra um mundo sem a existência da banda de Liverpool e alguns aspectos que existem devido à influência desse grupo.
Em Yesterday, Jack Malik (Himesh Patel) é um músico sem sucesso que trabalha em um supermercado para ganhar a vida enquanto sua carreira musical não deslancha. Sem ter o sucesso esperado, Malik está prestes a desistir do seu sonho e voltar a lecionar. No entanto, sofre um acidente, o que faz com que o filme entre num “multiverso” onde apenas ele e, como posteriormente é revelado, mais duas pessoas sabem da existência da banda The Beatles. A construção dessa comédia romântica segue um roteiro semelhante a uma das músicas mais famosas da banda inglesa, A Day in the Life (John Lennon – Paul McCartney). Essa composição foi elaborada a partir da junção de duas outras. Uma de conotação mais triste, composta por Lennon, que fala de duas notícias que ele havia lido no jornal Daly Mail de 17 de janeiro de 1967: uma sobre um acidente e outra sobre 400 buracos; já a parte da composição de McCartney fala sobre momentos de sua infância na década de 50; numa letra mais saltitante e alegre. Coube, então, ao produtor musical instrumentar e unir as duas letras numa só música. Para tal, houve uma “transição” em sua composição que, de certo modo, aos ouvidos, é confusa e psicodélica. O personagem principal, Malik, é a “transição” que o filme propõe ao sair de um universo no qual a banda existe a um segundo, em que ninguém sabe quem foram Paul, John, George e Ringo. Ao perceber a existência de um “vazio” num universo sem as músicas da banda inglesa, o protagonista do filme viu-se com a missão de honrar e reavivar a memória dos Beatles, mesmo havendo um conflito moral em levar os créditos das composições, tornando-se o maior fenômeno musical desse novo universo.
The Beatles fizeram parte de uma sociedade de mudanças e tensões. Os anos pós-segunda Guerra Mundial (1939-1945) foram tidos como “os anos dourados”, nos quais houve um grande progresso na economia mundial e uma forte profusão cultural. Dentre as produções, destacamos a música e o surgimento de um novo gênero musical, o rock, tendo The Beatles surgido no início dos anos 60.
Num mundo bipolarizado, além da corrida armamentista, o período da Guerra Fria (1947 – 1991) foi marcado por uma forte disputa ideológica. No Brasil, durante os anos de chumbo, tocar num festival de música com guitarra significaria que o músico era pró-capitalismo; já o músico que tocava com violão, pró-comunismo. Nesse contexto, as apropriações de produções culturais eram utilizadas por ambos os lados da guerra e com as canções produzidas pelos Beatles não foi diferente. O filme, de certo modo, trabalha isso. Uma das primeiras canções de sucesso do Jovem Malik foi Back in the USSR, tocada na Rússia em abertura ao show de Ed Sheeran. Em nosso mundo real, na época de sua gravação, a banda foi denominada de comunista por direitistas norte-americanos, pois a URSS era sua inimiga mortal nos campos do Vietnã. No entanto, os direitistas não tiveram tato para perceber que a música era um pastiche, da composição de Chuck Berry Back in the USA, com alguns “toques” do grupo The Beach boys, só que ambientada na URSS. Essa música fala de um herói que volta dos EUA à URSS com saudades das garotas da Ucrânia, Moscou e Georgia. Além do mais, The Beatles eram tidos como lacaios do capitalismo na URSS.
Na parte cômica do filme, o diretor brinca com produções culturais que não existiriam sem a influência dos Beatles, e até produtos, o que nem sempre poderá condizer com a realidade. Não há relação alguma entre a marca Coca-Cola com a banda; no entanto, nesse multiverso que o filme traz, só a Pepsi existia. A banda inglesa Oasis também não fazia parte desse novo mundo (e nem do nosso), cigarros e até o Harry Potter. Vale mencionar também que o filme traz uma grande surpresa aos fãs da banda. Nesse universo, Lennon vive no anonimato e as únicas duas pessoas que conheciam as músicas do grupo musical, além de Malik, conseguiram rastreá-lo. Nesse encontro, Malik pede conselhos amorosos a Lennon, que acaba o abraçando. Nessa cena em específico, o diretor Danny Boyle foi genial. Ao trabalhar esta sequência com um jogo de sombras, restando apenas a “silhueta” dos personagens, todos os fãs abraçaram Lennon pondo-se no lugar de Malik. Sem dúvidas, esse foi o auge do filme.
Por fim, dado o sucesso que Malik obteve com as músicas dos Beatles, o filme mostra abertamente que a produção cultural do grupo inglês foi tão significante e perene que teria espaço no mercado musical contemporâneo, com suas composições românticas, badaladas e/ou políticas.