O QUANTO PIOR, MELHOR

Sou daquela geração que ficara encantada pelo futebol carioca, fazendo-me torcedor apaixonado do Vasco da Gama. Vibrava com os comentários imperdíveis de João Saldanha, Mário Viana, José Carlos Araújo, Washington Rodrigues, Valdir Amaral, Jorge Cury e tantos outros que, magicamente, transportava, via antena de rádio, o Maracanã diretamente para a nossa casa. E quando a televisão entrou em campo, tornando nostálgico o velho radinho de pilha, a emoção conquistou o seu maior índice de audiência, agora com as narrações de Osmar Santos, Juarez Soares, Luciano do Vale, Silvio Luiz, Léo Batista e Galvão Bueno.

Com todo este aparato, era um verdadeiro gol de placa ficar ligado no samba que caracterizava o futebol carioca, até porque o seu ritmo era batucado em todo país, salvo para os enciumados paulistas. O futebol carioca era pura ginga e arte, assim como artistas eram aqueles que se exibiam harmonicamente no palco verde do Grande Templo do Futebol. Era o tempo em que cada time era recitado de cor pelos torcedores, até porque cada jogador se identificava com a camisa do seu clube, sendo considerado traidor quando, desavisadamente, passava a defender as cores da trupe adversária.

Roberto Dinamite, Zanata, Samarone, Cafuringa, Zico, Fio Maravilha, Luizinho, Dorval, Júnior, Andrade, Marinho, Gerson, Rivelino, eram algumas das figurinhas carimbadas que a minha geração colecionava nos álbuns e nas infindáveis disputas sobre quem seria o melhor jogador do Brasil. Seus nomes também batizavam nossos times de botão, servindo ainda de apelido para aqueles guris que se exibiam nas peladas e campos de várzeas espelhados pelo país. Vários pivetes de então, a exemplo do lateral Cafu e do vereador Samarone, ainda hoje carregam em seus nomes de guerra os apelidos conquistados na infância.

Sem medo de receber cartão vermelho por ter cometido um palpite faltoso, não se pode esquecer que o futebol carioca exercitava o nosso incomensurável poder de gozação. Como era gostoso provocar o amigo-perdedor depois de uma vitória acachapante, forçando-o a dizer que o seu time havia perdido porque quis ou para aumentar a renda do futuro clássico. Eu nunca perdia, por exemplo, a oportunidade de elogiar o jogador Tita por me ter proporcionado duas alegrias: a primeira quando, jogando pelo Flamengo, perdeu um pênalti fazendo o Vascão campeão, e a segunda, já como atleta cruzmaltino, ao fazer balançar as redes flamenguistas nos fazendo bicampeões.

Hoje, com o Flamengo ocupando o humilhante posto de lanterninha do campeonato brasileiro, em disputa ferrenha com o Botafogo, a gozação tomou um outro ritmo, mais próximo do humor fúnebre. O prazer do torcedor do futebol carioca agora é saber que o time adversário está pior do que seu, que também já não tem qualquer esperança de disputar um campeonato.  Ainda mais depois que o Santo André, um pequeno time da segunda divisão, desrespeitou o glamour do futebol carioca, fazendo calar setenta mil flamenguistas que lotavam o perplexo Maracanã, obrigando-o a reviver a traumática dor que passou nos anos cinqüenta, quando a seleção brasileira foi batida pela celeste olímpica. 

*Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br

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