Cidadão trabalhava num escritório no 10º andar de um grande edifício e, durante seis longos anos, rotineiramente entrou e saiu daquele prédio sem nunca se dar conta de quem estava ali, no minúsculo balcão de atendimento daquela portaria. Passava, às vezes recebia uma correspondência, fazia aquela saudação maquinal, pegava o elevador e se dirigi ao seu escritório e, na volta, seguia a mesma ritualística, despedindo-se mecanicamente com um impessoal “até amanhã”. Um dia, nem percebeu que quem o saudara era outra pessoa e não aquele antigo porteiro. Seguiu para sua sala onde encontrou o pessoal do escritório confabulando, uns com os outros, um assunto que aparentava muito sério. O que seria? O que poderia ter acontecido naquela manhã para tanto alvoroço? Curioso, procurou saber. Indagou de sua Secretária o motivo de tanto “bochicho”. – O Senhor não percebeu nada diferente na recepção? Não sentiu falta de alguém, lá na portaria? – Não! – O porteiro, Sr. Juvenal, suicidou-se saltando da janela deste andar. – Que porteiro? – Seu Juvenal, eu já disse, aquele senhor alto de bigode que ficava lá em baixo na portaria. – Alto e de bigode? Eu nunca percebi que ele usava bigode e que era alto. – Poxa, o Senhor passa todos os dias por ele e não conhecia? – Não! Por vários anos, todo dia mantinha um contato com ele e não o conhecia. Não tinha a menor lembrança de como ele era. Se alto ou baixo, gordo ou magro, preto ou branco, asiático ou latino. Que pena! A consciência doeu, a curiosidade foi aguçada e a cruel dúvida o martirizou: Quem era ele? Juvenal de quê? Da Silva? Pereira dos Santos? Oliveira? Rodrigues? Quais as suas feições? Como ele era? Será que era casado ou solteiro? Tinha filhos? Onde morava? Era novo ou velho? O que o levou a praticar o suicídio? Será que estava devendo? Ele bebia? Fumava? De nada sabia. Durante todo este tempo não teve um minuto para saber quem era aquele humilde funcionário que tantos serviços lhe prestou. De tanto indagar a um e a outro, chegou a uma conclusão: Seu Juvenal estava deprimido, problemas em casa, quatro filhos pequenos para alimentar e educar; salário muito baixo não dava para satisfazer, sequer, às necessidades básicas da prole. E como uma coisa puxa a outra… Pois é, morreu sem ser conhecido como gente, como ser humano, pelo nosso ilustre dirigente. O interessante é que este executivo é todo envolvido com filantropia, com clubes de serviços, se reúne toda semana para deliberar como ajudar os pobres da nação “y” ou “z”, através dos programas de incentivo da mídia da moda. Ele doa do seu, e também da empresa em que trabalha, quantias vultosas para estas crianças que ele sequer sabe onde estão, e nem se estes recursos chegam ao seu destino. Mas, o pobre Seu Juvenal ele não conhecia. Nunca se interessou se ele tinha filhos e se estes estavam ou não necessitando de alguma coisa. Foi necessário que ele cometesse a indelicadeza de morrer para despertar no chefe o desejo de participar de sua vida. Nada contra ajudar crianças de outros Continentes, Países, Estados ou Municípios. Não. Não sou contra. O problema que vejo é a operacionalidade e, sobretudo, quem manipula estas milionárias campanhas. Aí cabe uma pergunta: existe diferença entre a fome do que está lá, para a fome do que está aqui? Ou alguém, por ser da nação “a”, tem necessidades básicas diferentes dos da nação “b”? Dos filhos do Seu Juvenal, por exemplo? Cuidado: uma atenciosa saudação, uma palavra amiga, um sorriso, um incentivo, um conselho, uma validação, a quem convive com você, pode salvar uma vida. PENSEMOS NISSO
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