Testemunhamos diariamente através de noticiários globais a multiplicação dos comportamentos agressivos e transgressores da população infantojuvenil. As instituições educacionais se vêem obrigadas a lidar com fenômenos como o bullying, que embora sempre tenha existido nas escolas de todo o mundo, hoje ganha dimensões muito mais graves. O fenômeno expõe não a intolerância às diferenças, como também dissemina os mais diversos preconceitos e a covardia nas relações interpessoais dentro e fora dos muros escolares.
A palavra bullying ainda é pouco conhecida do grande público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil. É utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses comportamentos podemos destacar as agressões, os assédios e as ações desrespeitosas, todos realizados de maneira repetitiva e intencional por parte dos agressores. É fundamental explicitar que as atitudes tomadas por um ou mais agressores contra um ou alguns estudantes, geralmente, não apresentam motivações especificas ou justificáveis. Isso significa dizer que, de forma quase “natural”, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas. E isso, invariavelmente, sempre produz, alimenta e até perpetua muita dor e sofrimento nos vitimados.
Se recorrermos ao dicionário, encontraremos as seguintes traduções para a palavra bully: indivíduo valentão, tirano, mandão, brigão. Já a expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully (agressor) contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender. Seja por uma questão circunstancial ou por uma desigualdade subjetiva de poder, por trás dessas ações sempre na um bully que domina a maioria dos alunos de uma turma e “proíbe” qualquer atitude solidária em relação ao agredido.
O abuso de poder, a intimidação e a prepotência são algumas das estratégias adotadas pelos praticantes de bullying (os bullies) para impor sua autoridade e manter suas vitimas sob total domínio.
Cada um de nós possui uma personalidade, e são os traços dela que definem, em grande parte, nossos interesses, gostos, nossas versões, reações perante os acontecimentos da vida e, sobretudo, o modo como nos relacionamos com as demais pessoas. Afinal de contas, os seres humanos são criaturas sociais. Só vivenciamos a plenitude de nossa humanidade quando estabelecemos ligações qualitativas com nossos semelhantes e com as diversas manifestações da vida ao redor. São essas relações e os compromissos advindos delas que dão sentido à vida.
A personalidade humana resulta da interação do temperamento com a grande variedade de situações que vivenciamos ao longo do tempo.
Se pararmos para pensar, poderemos notar que todos nos já fomos vitimas de um bully em algum momento de nossa vida. Os “valentões” não estão somente nas escolas, eles podem ser encontrados em qualquer segmento da sociedade. Os bullies juvenis também crescem e surgem também em versões adultas ou amadurecidas (ou melhor, apodrecidas). No contexto familiar, os bullies crescidos e mais experientes podem ser identificados na figura de pais, cônjuges ou irmãos dominadores, manipuladores e perversos capazes de destruir a saúde física e mental e a autoestima de seus alvos prediletos. No território profissional, costumam ser chefes ou colegas tiranos “mascarados’’ e impiedosos. Suas atitudes agressoras ( ou transgressoras) estão configuradas na corrupção na coação, no uso indevido do dinheiro público, na imprudência arbitrária no trânsito na negligência com os enfermos, no abuso de poder de lideranças, no sarcasmo de quem se utiliza da “lei da esperteza” no descaso das autoridades no prazer em ver o outro sofrer… Assim o termo bullying pode ser adotado para explicar todo tipo de comportamento agressivo, cruel, proposital e sistemático inerente às relações interpessoais.
Existem varias formas de bullying, e algumas atitudes podem se configurar em forma direta ou indireta de praticar o bullying, porém, dificilmente a vítima recebe apenas um tipo de maus-tratos; normalmente, os comportamentos desrespeitosos dos bullies costumam vir em “bando”. Essa versatilidade de atitudes maldosas contribui não somente para a exclusão social da vítima, como também para muitos casos de evasão escolar e pode se expressar das mais variadas formas verbais como: insultar, ofender, xingar, fazer gozações, colocar apelidos pejorativos, fazer piadas ofensivas; molestando física e materialmente, como bater, chutar, espancar, empurrar, ferir, beliscar, roubar, furtar ou destruir os pertences da vitima ou judiar psicologicamente, irritando, humilhando, ridicularizando, excluindo, ignorando, desprezando e fazendo pouco caso. Difamar, fazer intrigas, fofocas, mexericos ou ainda abusar sexualmente, violentando, assediando são formas dessa violenta prática. Também os avanços tecnológicos têm influenciado esse fenômeno típico das interações humanas.
Com isso, novas formas de bullying surgiram através da utilização de aparelhos e equipamentos de comunicação, celular e internet. Essa forma é conhecida como ciberbullying e é muito usada pelos internautas maldosos, que são capazes de difundir, de maneira avassaladora como calúnias e maledicências, fazendo montagens de fotos e divulgando-as pela internet.
O bullying não é um fenômeno exclusivo de alguns países e pode ser encontrado em todas as escolas do mundo. Por essa razão, é possível observar que programas antibullying vêm sendo desenvolvidos em diversos países com o intuito claro de reduzir esse tipo de comportamento violento entre os jovens. A luta antibullying deve ser iniciada desde muito cedo, já nos primeiros anos de escolarização. A importância da precocidade das ações educacionais se deve ao incalculável poder que as crianças possuem para propagar e difundir idéias. Essas ações facilmente se transformam em agentes multiplicadores, capazes de educar, por vias alternativas, familiares e funcionários domésticos, criando-se, assim, um círculo virtuoso no empenho pela paz.
Nessa luta, cujo cenário principal é a escola e os atores principais são os profissionais de educação, estão em jogo os bens mais preciosos da humanidade: a solidariedade, o respeito às diferenças, a tolerância, a cooperação, a justiça, a dignidade, a honestidade, a amizade e o amor ao próximo.
Para que essa batalha tenha um final feliz, devemos exigir políticas públicas e privadas que disponibilizem recursos significativos para a formação intelectual, técnica, psicológica e pessoal de nossos educadores. Somente dessa forma eles poderão ter o comprometimento, o engajamento e a segurança de que necessitam para abraçar de corpo e alma essa causa heróica: educar nossas crianças e adolescentes para uma vida de cidadania plena, em que direitos e deveres que hoje só existem no papel sejam de fato exercidos e respeitados no dia a dia.
* Este texto foi escrito pela Dra. Luzia Maria da Costa Nascimento
Membro da Academia Sergipana de Letras