A meu ver, estamos vivenciando uma situação meio louca, representada por um desvairo de consumo que nos leva a querermos sempre mais do que aquilo que realmente necessitamos: o bastante, o suficiente, o satisfatório, aquela coisa que apenas supre a nossa necessidade na sua justa medida, não é mais o ideal. O normal é sobrar muito, é que se tenha sempre mais e mais e sempre melhor, mais novo, mais atual. Querer o mais e o melhor, é até natural, pois esta é uma característica marcante do ser humano. Contudo, a sobra, o supérfluo é que gera o grande problema, pois, nos dias atuais, a tecnologia e os meios de produção se superam todo dia, jogando no mercado novidades que bem trabalhadas pela mídia criam em nós expectativas só preenchidas com a aquisição daquela “geringonça” que em breve será, também, sucata.
Essa prática ultrapassou os portais do racional, estamos consumindo pelo impulso midiático de que devemos comprar, comprar, comprar: roupa, tênis, veículos, eletrônicos e demais utensílios que usamos, às vezes para prover necessidades que não temos e nunca vamos ter. Porém, esta dúvida se nós vamos ou não necessitar daquilo não gera mais, como seria o natural, nenhum conflito, não há problema, compremos agora, quem sabe, em breve venhamos a necessitar? Acontece, que quando a necessidade chegar, se chegar, o produto hoje adquirido já estará fatalmente ultrapassado. Porém, esta é também uma das etapas que a inteligência do consumismo trabalha muito bem, pois, normalmente são criadas, em primeiro lugar, as necessidades e, somente depois, os instrumentos para supri-las.
Tudo é válido na teoria consumista: o anormal é as coisas se bastarem às necessidades a que se destinam. Elas, segundo essa teoria, devem sempre ultrapassar o limite da satisfação, têm que sobejar. Não se discute o porquê e nem qual o benefício desta “normose”. O certo é que a mídia nos leva a confundir abundância com desperdício, satisfação com saturação, necessidade com especulação e, achamos que tudo isso é, repito, absolutamente natural.
Quem tem a mídia tem o ser humano; os donos da mídia têm, nas mãos, as vontades e os procedimentos e com muita facilidade burilam todo o seu comportamento. A mídia, embora tão boa e necessária, se mal usada, tem o poder de levar o homem para onde bem quer: para a direita, para a esquerda, para o centro e para os lados, para cima ou para baixo. Domina assim, a sua essência, submete o seu pensamento, invade seu ego, interfere na sua moral, pois entra sem cerimônia na sua casa e dita a norma, altera a sua vida e a da sua família, transformando a todos em prosélitos daquilo que ela, e seus donos mais querem.
Esta cultura que se instalou no nosso imaginário coletivo e no nosso cotidiano, da qual, sinceramente, nós não temos consciência, nem ideia dos seus efeitos e nem sabemos para onde ela está nos conduzindo, pois tudo acontece dentro de parâmetros absolutamente sutil, sem que percebamos vamos sendo levados de mansinho para situações que somente depois, muito depois é que nos damos conta e, aí, já é tarde, não há mais como nos recompor e recomeçar.
Mas, mesmo sabendo que as sobras de hoje, aqui e agora, certamente já estarão fazendo falta ali e acolá ou virão a faltar no futuro, parecemos não conhecer o axioma que diz: “de onde se tira e não se bota um dia, fatalmente, faltará”, ou seja, mesmo sabendo, acreditamos que nada nos afetará e, pensando assim, seguimos propositadamente, nos valendo de nossa cegueira ética e moral, pouco ou quase nada estamos fazendo para enxergar. Continuamos pensando somente em nós mesmos e, na nossa insensatez, seguimos atabalhoados sem percebermos o grande mal que estamos fazendo.
Para produzir mais do que o necessário é claro que temos de extrair de algum lugar e este manancial está onde? Na natureza. Na natureza que há muito dá sinais de insatisfação e desconforto com os nossos desproporcionais ataques. Ela é implacável e está demonstrando, a todo instante e de várias formas, que não estamos agindo acertadamente. Nossas atitudes de agressão estão gerando um desequilíbrio tão grande e tão sem sentido que, cá para nós, não temos sequer a dimensão do que seja isto. E, o pior de tudo, é que todo este saque e esforço produtivo não são para alimentar gente e sim para satisfazer egos, luxos e supérfluos caprichos, com a sanha desse consumo exagerado. Todos nós sabemos, a natureza não perdoa, ela pune.
Pois, como podemos facilmente perceber, essa produção exagerada – nunca se produziu tanto neste mundo, como nos dias atuais, – não chega, infelizmente, a cumprir os ideais de justiça e equidade entre os homens que seria, imagina-se, a distribuição equânime entre os povos. O estupendo desenvolvimento nessa área não se prestou à justa distribuição: o essencial que aqui, deste lado do mundo, da cidade ou da rua, tanto sobra E que esbanjamos, naquela outra banda tanta falta faz. Onde queremos chegar?
Se continuarmos neste passo, com certeza, e não é nem necessário ser futurólogo, estudioso, cientista ou profeta, para adivinhar para onde marchamos, está muito claro que estamos rumando para o caos. É lá que queremos viver? De que adiantou tanta bonança agora se quando chegarmos ao ponto mais importante de nossas vidas não poderemos mais usufruir dela? Pois já nos falta segurança, espaço e ambiente saudável para usufruirmos até do essencial, imagine, do que sobrar.
Sei que chega ser risível esta minha constatação: todo mundo sabe disso, poderão dizer alguns; xaropada, outros afirmarão. E, convenhamos, estão absolutamente certos. Porém, me incomoda ver tamanha injustiça, perceber esta boca banguela que mastiga em excesso de um lado, se engasgando com o exagero do desnecessário, enquanto do outro lado não há o que mastigar.
E a quem devemos isto? Aos políticos? Aos pensadores? Aos capitalistas? Ou a quem mais? Não saberia localizar onde mora tanta maldade, sinceramente, acredito que todos somos culpados, pois todos nós gostamos mesmo de nos dar bem, sem olhar para os lados. É característica da essência do humano o usufruir sozinho das abundâncias do mundo.
Pessoas iluminadas que contradisseram esta teoria são poucas e especiais: Sócrates, Jesus, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, João Paulo II… Os demais de nós olhamos mesmo é para o nosso próprio ego e dizemos sem cerimônia: primeiro eu e depois, se sobrar, o que não acontece, pois não nos conformamos nunca, os outros.
O mundo ideal não existe, sabemos, porém é uma busca constate daqueles que gostariam de ter a felicidade de assistir a coisas melhores. Ansiar por um mundo ideal ainda é o melhor exercício, porém só sonhar não é o bastante. Necessitamos agir…
O consumo consciente seria um bom começo, o simples ato de adquirir e usar os bens, os alimentos e, sobretudo, os recursos naturais de forma a não exceder as vitais necessidades, sem dúvidas representaria um bom começo. Além de que, com certeza a natureza iria agradecer penhoradamente.
PENSE NISSO.