Edmilson Menezes
Professor da Universidade Federal de Sergipe
Precisou uma pandemia para que muitos brasileiros tivessem consciência do fato de estarmos sendo governados pela escória. A situação sanitária desesperadora que vivemos trouxe consigo a capacidade de deixar à vista escancarada a indigência da política brasileira. Não que essa miséria dos gabinetes estivesse ausente em cenários anteriores, mas o quadro dramático fixou, por meio do enorme sofrimento imposto à maioria, a constatação. A constante presença da morte em nossos dias arrancou violentamente as escamas (convenientes ou impostas) dos olhos de boa parte da nação. Não é possível mais conformar-se à cegueira ou anestesiar a consciência: a escumalha está nos matando!
Uma expressiva gama de políticos brasileiros surge dos mais sinistros e ordinários substratos da sociedade. São bandidos, assassinos de cônjuges, espancadores de crianças, psicopatas perigosos, perdulários inveterados, vendilhões do templo, sepulcros caiados, milicianos, ladrões experientes, viciados de todos os tipos, agentes da pornografia, bufões sem talento, homens e mulheres violentos, enganadores contumazes, mentirosos profissionais, bajuladores da mais baixa qualidade, apedeutas, enfim, todo um esquadrão torpe invadiu os nossos palácios e prefeituras, nosso congresso, nossas assembleias legislativas e câmaras municipais. Tal grupamento está sempre escudado pela santidade da religião, pelo título de doutor, pela patente, pelo assistencialismo rasteiro, pela vulgar tintura loira no cabelo, pela hereditariedade – capas que escondem momentaneamente suas deformidades. Uma massa danata escorada nas muletas da ignorância, no despreparo para lidar com a coisa pública e na arrogância própria dos que esperam vencer a pulso. Não querem prestar contas a ninguém, não suportam crítica, se acham imunes à legislação; do que é público, só querem usufruir até a última gota. São especialistas em desfocar fatos e situações: se algo está errado, e uma ponta de suas trapaças aparece, a culpa é do funcionalismo público, da previdência, do comunismo (pasmem!). Manipulam noções até levá-las à completa imprecisão, ao “buraco negro” da nulidade; dessa maneira, expressões como “quero uma apuração rigorosa”, “vou provar minha inocência”, “ética na política”, “defesa da democracia”, “harmonia entre os poderes”, “recebi a decisão com serenidade” caíram num dilacerante descrédito. Elas valem o seu inverso.
Platão, em sua obra magna [A República], já nos advertia sobre os riscos da desqualificação associada aos homens da política: é estranho, diz ele, que para todos os ofícios e encargos se exija uma competência específica e o mesmo não seja exigido para os governantes. Antes de qualquer coisa, os dirigentes devem ser preparados para o seu ofício, devem saber qual é o bem da cidade e, por conseguinte, o de todos os cidadãos. Necessitam ser convenientemente educados em vista da sabedoria e da prudência – as grandes virtudes exigidas de quem dirige os destinos da cidade – e não simplesmente adestrados a fazer carreira, de modo a saber bancar boa figura nos ajuntamentos e servirem-se, despudoradamente, de todos os meios, inclusive da demagogia e da violência, para alcançarem o poder. Um político mal formado ou despreparado é a ruína da cidade, principalmente se ele apenas encena possuir a virtude. Essa atitude desenvolver-se-á intensamente numa direção na qual o simulacro será usado para servir à cínica moral de um governante arrivista. Enganam-se, portanto, os que pensam que qualquer um pode assumir a direção política de uma cidade, de um estado, de um país, ou de qualquer organização coletiva envolvida com a realização estruturada do bem comum.
Sofremos sempre as consequências infelizes do despreparo moral e técnico daqueles que estão no poder. Todavia, é preciso dizer que os políticos não são frutos do éter. Não caem das nuvens. São, na realidade, produto das coletividades que representam. No nosso caso específico, os políticos que aqui estão pontificando são resultado de um Brasil que não acredita que um legislador, um homem de Estado, precise se preparar para exercer a sua função, de forma que o cálculo oportunista seja definitivamente afastado da seara pública. O despreparo deles – alçado aos mais altos postos – é a materialização do próprio despreparo da sociedade.
A sordidez instalada na política brasileira reflete a baixeza característica dos influentes setores nacionais, que alimentam, diuturnamente, as nossas casas legislativas e de comando com seus asseclas, cuja missão precípua é, no momento, fazer uma limpeza social valendo-se dos óbitos de milhares de trabalhadores, de pobres, de negros, de pardos, de despossuídos, de excluídos, ou seja, daqueles mais suscetíveis à pandemia. Enquanto isso, nossos “representantes” e seus consorciados tiram dividendos da morte, compram mansões e, de dentro delas, assistem, seguros e confortáveis, ao extermínio. Troçam das nossas caras, desviam e esbanjam nosso dinheiro, desfilam com nossas cédulas nas meias e cuecas, massacram a população com sua inépcia para administrar graves situações, como um surto pandêmico, e ainda são capazes de, até mesmo de dentro do caos sanitário, encontrar um meio de nos ludibriar e, desavergonhadamente, furar a fila para receberem um imunizante, ao tempo que apontam o dedo para o restante do povo e acusam-no de estar fazendo choradeira, “mi mi mi”. Com cara de enfado, informam: “Calma, sua hora vai chegar!”; “Todos serão imunizados!”; “Estamos fazendo todo o possível”. Nesse meio-tempo, vemos: cidadãos desassistidos, velhos submetidos a aglomerações desnecessárias, UTI’s abarrotadas, falta de medicamentos, insumos e vacinas!
Ao atual contexto da política brasileira bem se aplica a passagem do Evangelho de Marcos (5,9): et interrogabat eum quod tibi nomen est et dicit ei Legio nomen mihi est quia multi sumus ( E perguntou-lhe : Qual é o teu nome? Meu nome é Legião, respondeu ele, porque somos muitos). Como sabemos, a ação prossegue com um impulso irresistível que faz os espíritos imundos entrarem nos porcos. Na sequência, a vara, de uns dois mil, atirou-se despenhadeiro abaixo, em direção ao mar, e nele se afogou. Quem dera houvesse para a Legião de políticos nefastos do Brasil, a nos atormentarem com as suas imundices, o mesmo desfecho evangélico!