Importante, antes do exame das vertentes de interpretação judicial inviabilizadoras da efetividade do direito de greve dos servidores públicos, expor um rápido roteiro de como os servidores públicos poderiam exercer validamente o seu direito de greve com base na aplicação analógica dos dispositivos da Lei n° 7.783/89.
Após a decisão do STF nos MIs n° 670, 708 e 712, a legítima expectativa dos servidores públicos era a de que, doravante, o exercício do seu direito de greve seria lícito a partir dos seguintes termos e limites:
– Definição da greve como “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços” (Art. 2º);
– à entidade sindical correspondente caberá “convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços” (Art. 4º, caput);
– “O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve” (Art. 4º, § 1º);
– “Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no ‘caput’, constituindo comissão de negociação” (Art. 4º, § 2º);
– “A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações” (Art. 5º);
– “São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;- a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento” (Art. 6º, incisos I e II);
– “Em nenhuma hipótese, os meios adotados por (…)” servidores públicos e entes públicos “(…) poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem” (Art. 6º, § 1º);
– “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (Art. 6º, § 3º);
– “Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante (…)” entendimento com o ente público “(…) manterá em atividade equipes de (…)” servidores públicos “(…) com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades (…) quando da cessação do movimento” (Art. 9º);
– “Nos serviços ou atividades essenciais (…)” os sindicatos, os entes públicos e os servidores públicos “(…) ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (Art. 11);
– “São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Art. 11, parágrafo único);
– “São considerados serviços ou atividades essenciais: – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; – assistência médica e hospitalar; – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; – funerários; – transporte coletivo; – captação e tratamento de esgoto e lixo; – telecomunicações; – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; – processamento de dados ligados a serviços essenciais; – X – controle de tráfego aéreo; – XI compensação bancária” (Art. 10);
– No caso de desrespeito a esses limites, “(…) o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis” (Art. 12); O ente público “(…) será notificado, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação” (Art. 3º, parágrafo único);
– “Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os (…)” servidores públicos, conforme o caso, “(…) obrigados a comunicar a decisão aos (…)” entes públicos e aos usuários “(…) com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação” (Art. 13);
– Constitui abuso do direito de greve a inobservância de todo esse regramento (Art. 14); “A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação (…) civil ou penal” ou a legislação regente da vida funcional dos respectivos servidores públicos (seu estatuto) – Art. 15.
Percebe-se que, sem maiores dificuldades, é possível utilizar a Lei n° 7.783/89 – elaborada para a regulação da greve dos trabalhadores em geral – como fixadora de parâmetros objetivos para o exercício do direito de greve pelos servidores públicos.
Contudo, os servidores públicos têm esbarrado em vertentes conservadoras de interpretação judicial da aplicação, às suas greves, dos dispositivos da Lei n° 7.783/89. Tais vertentes dividem-se em, basicamente: a) potencializar a negociação a que alude o seu Art. 3°, como requisito formal inafastável, cuja inobservância implica caracterização da greve como abusiva e ilegal; b) caracterizar como ilegais e abusivas greves realizadas em “atividades essenciais”; c) adentrar no exame do mérito dos interesses defendidos por meio da greve.
É o que abordaremos na próxima semana, na sequência dos textos sobre a difícil concretização do direito de greve dos servidores públicos.