Impeachment de Presidente da República é medida constitucional grave, destinada a afastar do cargo o agente político condenado pela prática de crime de responsabilidade (infração político – administrativa). Por isso mesmo, é medida de aplicação excepcional, episódica, não fazendo parte do cotidiano das relações institucionais.
Daí porque quando se depara, como no atual momento político, com a deflagração de procedimento formal que pode vir a ensejar o impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff, existem as mais diversas dúvidas sobre os seus inúmeros aspectos, inclusive na comunidade jurídica especializada.
No que se refere ao procedimento do impeachment, a Constituição não é nem sistemática nem exauriente, sendo necessário recorrer também aos dispositivos da Lei n° 1.079/1950, inclusive com necessidade de exame de recepção de seus dispositivos.
Assim, é possível traçar o seguinte itinerário:
1 – Qualquer cidadão pode “denunciar” Presidente da República pela prática de crime de responsabilidade perante a Câmara dos Deputados (Art. 14 da Lei n° 1.079/1950), a quem compete privativamente autorizar a abertura do processo, por decisão de 2/3 dos seus membros (Art. 51, inciso I e Art. 86, caput da Constituição Federal);
2 – Após juízo preliminar de admissibilidade da “denúncia”, o Presidente da Câmara dos Deputados providenciará a sua leitura no expediente da sessão seguinte e a encaminhará a uma comissão especial a ser eleita e que deverá observar a representação partidária proporcional ao tamanho das respectivas bancadas (Art. 16 da Lei 1.079/1950 e Art. 58, § 1° da Constituição);
3 – Formada a comissão, ela se reunirá dentro de quarenta e oito horas e, depois de eleger seu Presidente e relator, emitirá parecer, dentro do prazo de dez dias, sobre se a “denúncia” deve ser ou não admitida para efeito de deliberação. Dentro desse período, poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da “denúncia”. O parecer da comissão especial será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a “denúncia”, devendo as publicações ser distribuídas a todos os deputados. Quarenta e oito horas após a publicação oficial do parecer da Comissão especial, será o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única (Art. 20 da Lei n° 1.079/1950);
4 – O parecer da comissão especial será apreciado em discussão única, na qual cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da comissão especial o direito de responder a cada um (Art. 21 da Lei 1.079/1950);
5 – Encerrada a discussão do parecer e submetido a votação nominal, será a “denúncia”, com os documentos que a instruem, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação. Noutras palavras, o parecer da comissão especial, se for pela não admissão do processo, implicará no seu arquivamento definitivo (Art. 22 da Lei n° 1.079/1950);
6 – No caso de o parecer da comissão ser pela admissibilidade da “denúncia”, será remetida ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado (Art. 22 da Lei n° 1.079/1950);
7 – Findo esse prazo e com ou sem a contestação, a comissão especial determinará as diligências requeridas, ou que julgar convenientes, e realizará as sessões necessárias para a tomada do depoimento das testemunhas de ambas as partes, podendo ouvir o denunciante e o denunciado, que poderá assistir pessoalmente, ou por seu procurador, a todas as audiências e diligências realizadas pela comissão, interrogando e contestando as testemunhas e requerendo a reinquirição ou acareação das mesmas (Art. 22, § 1° da Lei n° 1.079/1950);
8 – Após, a comissão especial proferirá, no prazo de dez dias, parecer sobre a procedência ou improcedência da “denúncia”, parecer que, depois de publicado e distribuído, será incluído na ordem do dia da sessão imediata para ser submetido a duas discussões, com o interregno de quarenta e oito horas entre uma e outra (Art. 22, §§ 2° e 3° da Lei n° 1.079/1950);
9 – Nas discussões do parecer sobre a procedência ou improcedência da "denúncia", cada representante de partido poderá falar uma só vez e durante uma hora (Art. 22, § 4° da Lei n° 1.079/1950);
10 – Encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação (Art. 23 da Lei n° 1.079/1950);
11 – Somente pelo voto favorável de pelo menos 2/3 da Câmara dos Deputados é que será autorizada a instauração do processo pelo Senado Federal (Art. 51, inciso I e Art. 86, caput da Constituição), a quem compete privativamente processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (Art. 52, I e Art. 86, caput da Constituição); ou seja, se não alcançados na votação plenária da Câmara dos Deputados 2/3 de votos favoráveis, a “denúncia” será arquivada; alcançados os 2/3 de votos favoráveis, a “denúncia” será encaminhada ao Senado Federal;
12 – Se o Senado Federal – após a autorização dada pela Câmara dos Deputados – instaurar o processo, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções (Art. 86, § 1°, inciso II da Constituição), suspensão que perdurará 180 dias e se, findo esse prazo, o Senado não tiver concluído o julgamento, cessará o afastamento, sem prejuízo da continuidade do processo (Art. 86, § 2° da Constituição); no período de afastamento, assumirá provisoriamente o exercício do cargo de Presidente da República o Vice-Presidente (Art. 79);
13 – Instaurado o processo pelo Senado Federal, haverá um rito até julgamento final, que comentaremos na próxima semana.
Esse itinerário, todavia, está sujeito a diversos questionamentos, como apontado anteriormente.
Aliás, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, ao apreciar Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo PCdoB (ADPF n° 378), concedeu medida liminar e determinou a suspensão da instalação da comissão especial da Câmara dos Deputados destinada a examinar o pedido e sobre ele emitir parecer a ser encaminhando à apreciação do Plenário.
Essa liminar deverá ser submetida ao referendo do Plenário do STF na sessão de hoje (16/12/2015) a tarde.
São os seguintes os questionamentos – estritamente procedimentais – que podem ser definidos pelo STF:
a) exige-se defesa prévia da Presidenta da República antes do deferimento, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, da “denúncia” formalizada por qualquer cidadão, à semelhança do que sucede em processos criminais de competência originária dos Tribunais? (no caso, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não deu essa oportunidade de defesa prévia à Presidenta da República);
b) na eleição da Comissão Especial, o voto dos deputados é aberto ou secreto?
c) na composição da Comissão Especial, os partidos políticos possuem direito à representação proporcional ao tamanho de suas bancadas?
d) no caso de a Câmara dos Deputados autorizar a instauração do processo, o Senado Federal tem oportunidade de efetuar um novo exame de admissibilidade da “denúncia” ou deve se limitar a formalizar a abertura do processo até julgamento final de mérito?
É bem provável que, ao examinar e julgar essas questões, o STF já estabeleça todo o procedimento do impeachment, em detalhes, a fim de evitar que a cada etapa processual surjam novos questionamento e novas demandas.
Pretendemos, também na próxima semana, examinar os termos da decisão do Supremo Tribunal Federal.