Acabou a brincadeira. As ameaças, ilações, meras possibilidades, cessaram todas. Desde a última quarta-feira (02/12), foi oficialmente deflagrado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o procedimento que pode vir a redundar na instauração de processo de impeachment da Presidenta da República Dilma Roussef, ao dar sequência a pedido formulado pelos cidadãos Hélio Bicudo e Janaina Paschoal.
No entanto, no final da noite de ontem (terça, 08/12), foi divulgado que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, ao apreciar Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo PCdoB (ADPF n° 378), concedeu medida liminar e determinou a suspensão da instalação da comissão especial da Câmara dos Deputados destinada a examinar o pedido e sobre ele emitir parecer a ser encaminhando à apreciação do Plenário.
Haverá então muitos desdobramentos em uma crise política que se arrasta desde o início do ano e cujo desfecho é imprevisível.
Excelente oportunidade para comentarmos, em seus variados aspectos, na perspectiva jurídica, o tema do impeachment.
É característica essencial do sistema presidencialista de governo – adotado pelo Brasil e expressamente consignado na Constituição da República e mantido por decisão soberana do povo no plebiscito realizado em 1993 – a inexistência de responsabilização exclusivamente política do Presidente da República, da qual possa resultar por esse motivo a perda do cargo. No presidencialismo em geral, e de igual modo no nosso modelo constitucional, o Presidente da República somente pode perder o cargo em caso de condenação pela prática de crime comum (em processo de competência originária do Supremo Tribunal Federal) ou em caso de condenação pela prática de crime de responsabilidade (em processo de competência do Senado Federal), em qualquer hipótese exigida a prévia autorização da Câmara dos Deputados – pelo quorum qualificado de dois terços – para abertura do processo.
A organização constitucional do sistema de governo brasileiro é bem ilustrativa dessa que é apontada por José Afonso da Silva como uma das características essenciais do presidencialismo: “O Presidente da República exerce o Poder Executivo em toda a sua inteireza; acumula as funções de Chefe de Estado, Chefe de Governo e Chefe da Administração Pública; cumpre um mandato por tempo fixo; não depende da confiança do órgão do Poder Legislativo nem para a sua investidura, nem para o exercício do governo” (grifou-se) (2005, p. 505-506).
Noutras palavras: ao contrário do que sucede no parlamentarismo, onde o Chefe de Governo somente se mantém no cargo enquanto conte com o apoio político da maioria parlamentar, no Presidencialismo, por mais que legítimas pressões populares forcem o Congresso Nacional a retirar o apoio político ao Presidente da República, isso não constitui hipótese de perda do cargo.
Vale lembrar o que é exatamente impeachment. Em verdade, estamos laborando no campo da responsabilidade política dos agentes públicos. Sérgio Sérvulo da Cunha bem explica que “quando se fala em responsabilidade política tem-se em vista: a) a responsabilidade correspondente à aplicação de sanções tipicamente políticas (v.g. a reprovação, pelo eleitor, de um candidato); ou b) a responsabilidade – independente das responsabilidades civil, penal e administrativa – correspondente à aplicação de sanções jurídicas aos agentes políticos” (CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 394). Acrescenta ainda que "(…) a responsabilidade política inclui: b1) a responsabilidade decorrente da prática de ilícito tipicamente político, não apenas o ilícito eleitoral, mas ainda o ilícito contra instituições políticas, contra a prática política ou contra ativistas políticos enquanto tais, sejam ou não exercentes de funções do governo; b2) a responsabilidade do agente político em razão de ilícitos administrativos" (op. cit., p. 394).
A Constituição Federal de 1988 opera esse tipo de responsabilização política de agentes públicos por meio da tipificação dos chamados “crimes de responsabilidade” que, em boa verdade, possuem natureza de infrações político-administrativas. A Lei n° 1.079/1950 é que produz a devida regulamentação, tendo-o efetuado em relação à Constituição de 1946 mas recepcionada, na maior parte de seus dispositivos, pela atual Constituição, que, em seu Art. 85, enumera os crimes de responsabilidade do Presidente da República.
Existem realmente elementos indiciários de prática de algum crime de responsabilidade pela Presidenta da República Dilma Roussef? Qual é o procedimento constitucional e legal para a eventual instauração de processo de impeachment? Quais são as penalidades previstas? E as consequências para o exercício das funções presidenciais? Esses temas e outros desdobramentos serão comentados ao longo das próximas semanas.