Em 1º de junho de 1991 escrevi na Gazeta de Sergipe o artigo “Tomada de decisão” (Machado, Odilon Cabral. Despercebido,… mas não indiferente, ed. autor Aracaju-SE 2005 fls. 116-120), apreciando a decisão tomada pelo Conselho Universitário da UFS, no qual eu fora a única voz contra a homologação do regimento de uma “estatuinte”, imitação grotesca da constituinte nacional que acabara de gestar a nossa Constituição cidadã. Naquela oportunidade, alguns espíritos tolos e outros mal intencionados, desejavam recriar a nossa UFS, entendendo-a como uma excrescência autoritária, recriação que deveria ser realizada por oitenta “deputados estatuintes”, distribuídos da seguinte maneira: vinte “deputados” deveriam ser docentes vindos do secundário, da graduação e da pós-graduação, vinte outros “deputados” deveriam ser funcionários da UFS, outros vinte “deputados” seriam estudantes oriundos da escola pública vindos do secundário, da graduação e da pós-graduação e finalmente mais vinte “deputados” que seriam sindicalistas procedentes das associações obreiras, assegurados também à presença de analfabetos e iletrados. Fui, no meio de tantos bem mais ilustrados, uma voz isolada. Não consegui um aliado para colocar um pouco de razão naquela discussão e o projeto foi aprovado, e ali está nos anais com o meu voto contrário. Saindo da reunião do Conselho Universitário (CONSU), comentei o resultado no artigo acima mencionado, publicado na Gazeta de Sergipe, de saudosa memória, em espaço que me era cedido pelo jornalista Paulo Brandão, para esta e muitas outras das minhas arengas. Naquela arenga sobre a “estatuinte” eu comentava que os oitenta “deputados” e a UFS em particular estariam se fazendo exemplo para o mundo, “um exemplo para Paris, Bolonha, Heildeberg, Oxford, Sorbonne, Salamanca, Harvard e Freiberg. Sergipe criando a Universidade Nova para o mundo. A Universidade sem capelo”. Uma ironia que eu enfeixava dizendo que a UFS pegara para si o mote de Chapolin Colorado, o personagem infantil do SBT. Assim, afirmava eu; “A UFS dizia ao mundo: ‘Não contaram com a minha astúcia.’” Agora, ao ver a nossa UFS querendo implantar o sistema de cotas, tentando instituir uma discriminação norteada no demérito, constato que o mal da demagogia e da irresponsabilidade é imorrível e se repete. E porque não há profilaxia para minorá-lo, nem vacina para preveni-lo, eis que a UFS se repete em igual palermice de Chapolin; “Não contaram com a minha astúcia.”. É o resultado da eterna fúria do bicho de porco que ataca o pé como o chulé, mas que dá também na cabeça dos eternos sem-cabeças, no CONSU da UFS de ontem, e no CONEP de hoje. Assim, eis de novo Sergipe preferindo o chulé fedorento da mediocridade se firmando em contrapé à apreciação do mérito e à avaliação do ensino, que deveria ser séria e não desonesta e mentirosa. Não se melhora o ensino público criando guetos e privilégios, estabelecendo regras de castas; a prova escrita, discursiva ou objetiva, conduzida no anonimato e na livre concorrência foi a mais democrática conquista do mundo moderno. Porque ela, a prova, é quem mostra quem é quem, e o ensino vagabundo ministrado; seja na escola pública, seja na privada. O resto é tolice, sem-vergonhice e preconceito. Aliás, não é nem tolice, nem preconceito. É sem-vergonhice mesmo, por mau-caratismo e desonestidade intelectual; um crime digno dos nazistas e dos pogrons, agora fustigando a mocidade inteligente e estudiosa, só porque não se matriculou na escola que é mal gerida e mal tutelada pelo Estado. É um crime contra a democracia também, e, sobretudo, porque muito mais do que uma imprensa livre, faz parte da democracia a suprema liberdade de poder escolher, livremente, sem amarras nem imposições, a escola para a educação dos nossos filhos. Se não pudermos escolher um estabelecimento de ensino que não seja tutelado pelo Estado estaremos caminhando em passo decisivo para o cerceamento das liberdades, todas as liberdades, sobretudo a de pensar diferente; e a reserva de vagas em escola pública, repelindo o egresso da escola particular é um atentado a tal liberdade. É conduzi-la à extinção, degredando-a por decreto. Ora, um Estado que cerceia a educação particular, seja confessional, filosófica ou religiosa é um Estado capaz de tudo, aí incluídas as maiores iniqüidades, igual à noite dos cristais assestada contra os judeus, e à noite de São Bartolomeu contra os protestantes e o seu livre culto a Deus. Pensar em prejudicar o bom estudante só porque não oriundo da escola pública é assaltar Prometeu roubando-lhe o fogo sagrado dos deuses, coisa de trombadinha intelectual, por miserável, execrável e, por pior, inimputável. Dá vontade até de xingar! Como pode alguém numa canetada assacar contra o esforço, a gana, a luta, a competência oriundas do estudo de quem acredita nas regras da competitividade pelo mérito? E aos que se acham com muito mérito, é lícito criar este tal demérito racial? Por acaso alguém em terra pátria poderá se arvorar de não possuir sangue africano ou aborígine? Teremos agora que matar o luso porventura existente nos nossos eosinófilos, agora excedentes por excesso de pruridos e intolerância étnica? E a ética onde fica? Haverá uma ética melhor ou de mais valia só porque é oriunda da escola pública, provada e mais do que documentada, estatisticamente falando, como ineficiente e desorganizada em ordem, disciplina e assiduidade? Ah! Se à ética é possível desvirtuar ou camuflar a estatística é inexorável! Daí ser preciso matá-la, degolá-la, por quem nela não se abriga! Para estes, é preciso quebrar todos os termômetros para que não exista jamais a febre. É preciso banir dos concursos vestibulares da UFS todos os alunos da escola privada ou a metade, por enquanto, para que possamos ver que só os egressos da escola pública são competentes, sábios e estudiosos! Sem falar que os seus professores são os melhores, sobretudo em muitas paralisações e greves. Eis, portanto, a nova égide inaugurada, qual novo ídolo de pés de lama. Eis o nosso ensino cada vez mais se inserindo na própria lama. Logo cedo virá a fedentina das aprovações sucessivas e dos graus concedidos sem prova, contraprovas ou avaliações. Nos idos fedentinos e libertários da “estatuinte” de 1991 o meu artigo “Tomada de decisão” teve ampla receptividade na imprensa. Se foi por isso ou por causa disso, ninguém mais a defendeu e a “estatuinte” morreu como chegou. Hoje, não creio que minha atual opinião tenha qualquer valor, muito menos que possa reverter uma decisão tão equivocada quanto descabeçada do CONEP e da minha Universidade. É difícil clamar racionalidade às bestas que teimam em poder desenvernizar a barata. Neste barato de sandices, à juventude frustrada, roubada agora por esta ação digna de ladinos e batedores de carteira intelectual, resta tentar remediar o mal na justiça. Não esperar que do vago e do vulgo vingue o bom senso. Apelar para o CONSU para em grau de recurso tentar consertar essa farra. Apelar também para a lei, qualquer lei, para ver se é possível reformar esta estultice que denigre mais a UFS do que a eleva. Levar o assunto para a seara dos advogados. Verificar se há algum amparo constitucional, ou mandamento legal, seja no código do consumidor, porque a UFS é prestadora de serviços, seja até no código de proteção aos animais, invocando o direito do homem branco, preto ou amarelo poder viver e se reproduzir, sem virar peçonhento nem ser caçado como um nocivo, só porque pagou pelos seus estudos. É. Infelizmente o CONEP em matéria de ensino pode quase tudo. Igual a Chapolin Colorado de quem ninguém espera qualquer astúcia.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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