Leio na UOL, em 23/03/2010, a versão em português, de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, do artigo “Abusos sexuais derrotam o papa”, de Juan G. Bedoya, publicado no jornal espanhol El Pais. O artigo revela a insatisfação de vários setores da sociedade e, sobretudo da mídia, diante das sucessivas denúncias de escândalos sexuais cometidos por clérigos e religiosos, que permanecem ainda, sem a devida apuração com punição exemplar. Mas, ao externar tal insatisfação, Bedoya chega a insinuar que a própria eleição de Ratzinger se processou numa atmosfera emocionalmente constrangedora para todos os membros do conclave, da qual se aproveitara o cardeal alemão, sobressaindo como o homem providencial para reger os destinos da igreja naquele momento de trevas. Ratzinger era então o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício da Inquisição). Ninguém melhor do que ele para bem conhecer tais problemas. E mais! Ao presidir a Via Sacra de 24 de março, na Sexta-Feira Santa anterior ao conclave e em substituição ao papa falecido, Ratzinger pronunciara um discurso no rito das estações de Cristo no calvário, preleção que já soava como um seu necessário “programa de governo.”. Para Bedoya, a eleição fora ganha na nona estação quando foi externado o comentário da terceira queda de Jesus sob o peso da cruz. Ali o cardeal alemão se ensaiou como o detergente necessário ao exclamar urbi et orbi: “Quanta sujeira na Igreja e entre os que, por seu sacerdócio, deveriam estar entregues ao Redentor! Quanta soberba! A traição dos discípulos é a maior dor de Jesus. Só nos resta gritar-lhe: “Kyrie, eleison. Senhor, salvai-nos!”. A prece virara “arenga”, no dizer do articulista, e a eleição surgiu sem que ninguém a ousasse disputar. Na verdade, a chegada do pontífice alemão insinuava reação diversa, sobretudo devido à sua formação filosófica sólida e bem fundamentada, fustigando a nulidade e a má vontade de tantos detratores da igreja. E o “cardeal panzer” ensejava esta disposição de pontuar acima nos debates das idéias, exibindo-se como exemplo no proceder e no agir, sem tergiversar nem temer possíveis incompreensões. E isso incomoda! Por outro lado o fato de não perfilar na linha do relativismo e da flexibilização da disciplina, nem oscilar no desarrazoado da degradação dos costumes, o papa trouxe para si toda a reação incrédula e iconoclasta. Porque num tempo em que o ímpio é mais louvado que o pio, que o incréu se faz convencer como senhor da razão e que o ateu não mais peca por soberba, não é bastante tudo isso ser possível. É preciso que a Igreja de Cristo lhe seja espelho. Só para usar o mote da canção: “Narciso acha feio o que não lhe é espelho”. Assim a Igreja precisa deixar de ser a Igreja de sempre, como se fosse possível retraçar um tigre destigrando-o sem listra. Ora, a Igreja é santa e pecadora. Santa na sua missão de conduzir aos homens nos descaminhos do viver. Pecadora nos seus homens pequeninos, carentes de força, de perseverança, cometendo sempre o erro indesejável. E a pedofilia, e os escândalos sexuais, e outras misérias reais tem sido uma grande angústia a coibir. Extirpá-la do seio da Igreja, como do seio da família, como de qualquer congraçamento gentio, é tarefa sobremodo difícil. Quem se acha réu? Quem se postula impuro? Quem se ensaia cúmplice. Como é difícil lapidar o desonesto, o impudente e o ominoso. Que o digam os arcabouços penais e legais profanos e seculares. Porque não é simples a apuração, nem fácil seu julgamento. Ah! Fossem os homens enquadráveis no mal ou no bem, exclusivos. Mas o apedrejamento é requerido. Não basta, por exemplo, afastar Marcial Maciel um “pederasta recalcitrante” e pai de seis filhos, que se destacara como fundador do movimento “Legionários de Cristo”. É pouco despojá-lo do poder, condenando-o a viver em silêncio recolhido num mosteiro “numa vida reservada de oração e penitência”. Para Bedoya e tantos outros, é preciso execrá-lo publicamente, sem caridade, mesmo sabendo que tais crimes foram cometidos há décadas e já o seriam prescritos pelas leis humanas. E nesta sede de justiçamento, verdadeiro linchamento medieval de caça às bruxas, enseja-se uma imprescritibilidade inata por natural, pregando-se a exumação de feitos, cinquenta anos passados ou mais, de tais fatos isolados e degradantes, desenterrando até mesmo esqueletos de prelados, agindo como um Dom Pedro I de Portugal, às avessas. O medieval rei português, cognominado de O Cru, por feroz, desenterrara sua bela Inez de Castro para louvá-la e coroá-la, enquanto os furiosos algozes atuais querem desenterrar os prelados de suas covas para a degradação que só entroniza o ódio e a intolerância. Mas o Papa sem fugir da sua missão, corajosamente vem enfrentado esta luta, sem repetir a recomendação de Cristo, que seria bem melhor, embora fosse repelida no momento; “Que os mortos enterrem seus mortos!” “Modus in rebus”, diriam outros em sabedoria milenar. É muito fácil para os exaltados a solução do problema. E mais simplificado ainda é espalhar á nódoa, generalizá-la como se todos na Igreja tivessem a mesma culpa e igual erro. Erros dos que abusam de menores, e erros de seus superiores que se eximiram ou acobertaram. De concreto e por lamentável, os abusos de pedofilia e as relações homossexuais são comuns nos aglomerados de muitos homens juntos. E os indivíduos desta prática procuram tais ambientes; na igreja, no esporte, no presídio e até nas forças armadas, um assunto de recente polêmica. Como coibi-lo? Como impedir os useiros e vezeiros de vestuários de atletas? Como descobrir num vocacionado religioso, muitas vezes piedoso, dedicado e gentil, num cantante coral, no labor ou no ardor oral, uma fraqueza de ordem sexual e amoral? E por acaso no mundo atual há espaço ainda para a palavra pederasta, como firmada em ferro rubro no artigo de Bedoya? Não é a palavra pederasta um resquício autoritário de homofobia? Por acaso o homossexualismo querendo o reconhecimento como terceiro sexo, com direito a casamento e ligação homo afetiva legalmente constituída, aceita que o encarem como um desvio moral ou sexual? Uma doença? A Igreja vive esta tormenta e o Papa vem conduzindo o seu timão sem perder o rumo e a fé. A palavra é Cristo. Só Sua palavra plenifica o coração humano. Este coração tão cheio de dúvidas e inquietações. Onde o racional provoca questionamentos que não podem ser respondidos pela imposição dogmática que apenas cega o ser, assassinando o raciocínio e tolhendo qualquer luz que separe as trevas.