Dona da minha cabeça

 

Dia 02 de fevereiro, dia de Iemanjá, a divindade africana mais conhecida no mundo, segundo alguns pesquisadores. Dia em que a devoção ao mar vem de diversas manifestações religiosas e de simpatizantes da Orixá, que nos países da América Latina, é associada aos mares e oceanos. Há nove anos, exatamente no dia 02 de fevereiro, concluí uma etapa de renascimento muito importante em minha trajetória, fui iniciada no Candomblé, portanto, quero aproveitar esse espaço para falar sobre a dona da minha cabeça.

 

Por ser a dona das cabeças, de acordo com a mitologia dos Orixás e história oral passada nos terreiros, Iemanjá é muito associada à proteção, cuidado, paciência e racionalidade na hora de tomar suas decisões, não deixando de lado também o senso de justiça e o instinto vingativo, caso seja contrariada. Muito do que se passa para as filhas de santos no Candomblé, é a relação entre as características dos orixás, sejam elas físicas ou psicológicas, e esta relação entre mito, arquétipo e sujeito, na maioria das vezes, se confunde.

 

Porém, uma coisa que não deve ser confundida é que Iemanjá não é Maria, ou Nossa Senhora das Candeias, e também não é uma mulher branca. Vivemos em um país cujo genocídio negro acontece desde 1550, quando iniciou-se o tráfico negreiro para o Brasil. Portanto, recusar a imagem de uma mulher branca representando Iemanjá é um sinal de respeito à ancestralidade e repúdio às práticas coloniais, que durante séculos tentaram eliminar toda manifestação religiosa negra.

 

Essa imposição foi tão perversa e dura, que todo mundo usa termos cristãos com muita naturalidade, mesmo não sendo praticantes, e isso se deve ao processo colonial impositivo. Tão perverso, que muitas casas de Candomblé ainda associam o batismo no catolicismo a um procedimento obrigatório, ou seja, há casas que só realizam rituais de iniciação no Candomblé em pessoas que são previamente batizadas por um padre. Esse e outros exemplos muito explícitos, sobretudo para quem é praticante das religiões afrobrasileiras, e que são, nitidamente, resquícios da perseguição e retaliação sofrida por esses povos.

 

E aí, eu pergunto, qual é a versão de Iemanjá que você conhece? E qual você buscou conhecer? É muito bonito saudar o mar no dia 02 do 02, jogar rosas brancas, usar seiva de alfazema quando a cabeça precisa de calma, mas, lindo mesmo, é reconhecer esses processos de resistência e respeitá-los. Diante de um país racista, que segue matando imigrantes pretos e tratando seus filhos pretos como escravos, negligenciando o mapa da violência  e relegando ao povo preto o papel da marginalidade, saudar a imagem de uma Iemanjá preta e questionar as imagens em que ela é branca, é um ato de respeito e reverência a essa divindade, a detentora das cabeças, a grande mãe estrategista e sábia.

 

Odoyá! Axé!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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