Para o meu pai, com amor

Lembro-me de muitas memórias da infância. Ótimas memórias, outras não tanto. Durante os primeiros 7 anos de minha vida, apesar de ser muito apegada a minha mãe, olhar para o meu pai era como me enxergar no espelho. Além da semelhança física, nós somos muito parecidos na personalidade e na forma como escolhemos as trilhas sonoras para cada momento da vida.

Naquela época eu queria estar sempre com ele e eu me lembro que ele me levava para tudo,  gabinetes, consultórios, mercadinho, shopping, passeio na vespa vermelha. Em casa eu também gostava de estar em sua companhia, principalmente assistindo a Fórmula 1 e sua admiração por Ayrton Senna e o horário eleitoral gratuito. Sim, desde a infância, era um dos meus programas favoritos, não sei explicar se já era uma paixão precoce pelos assuntos sobre política ou se por estar na companhia do meu pai.

Por alguns anos essas memórias foram bloqueadas de minha mente, acessá-las, falar sobre elas, rememorá-las mesmo sendo boas lembranças, doía muito, uma dor que partia do meu emocional para o físico porque eu não compreendia a partida de um coração partido. No texto passado eu escrevi sobre o silêncio e a escuta e como essa escuta me fez falta nessa época. Aprender a ouvir é uma dádiva, entender que pessoas que amamos muito também erram, também sofrem e também não sabem lidar com as mudanças do rumo da vida é necessário.

O passado não se apaga, mas não precisa e nem deve ser vivido continuamente ou à espera de que ele retorne, pois, nenhum dia é igual a outro, portanto, nós também não somos iguais ao que éramos outrora. O presente se vive e é uma grande benção poder escrever novos capítulos e construir novas memórias com os mesmos personagens ou com alguns diferentes, que agregam, complementam o momento atual da vida.

Abri o portão das memórias do meu coração e decidi deixá-las soltas por aí, para que fiquem livres para me aquecer sempre que eu precisar. Por ser tão parecida com o meu pai, deixo que as palavras ecoem junto com os atos de afeto que fomos aprendendo a construir em meio a tantos pedidos de socorro por vezes gritados através da dor de cada um. Como Buda disse que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional, eu escolhi acolher a dor e me liberar do sofrer.

Com isso, me permito acessar com felicidade as memórias de infância, acolho e respeito as memórias de sofrimento da adolescência e sigo construindo as memórias da vida adulta com mais leveza e coragem para exercer a comunicação não violenta e o poder da escuta amorosa e sincera com quem me deu a sua melhor parte.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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