Pedro Carvalho Oliveira
Professor substituto do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Integrante do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (LabTempo-UEM)
Exatamente cem anos após a ascensão do Partido Nacional Fascista (PNF) ao poder na Itália, Giorgia Meloni, representante do Fratelli d’Italia, se tornará premiê e governará o país. Os dois fatos são diferentes momentos da trajetória do fascismo, que não pode ser entendido como uma visão de mundo ou projeto de sociedade preso ao período que vai de 1922 ao fim da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um fenômeno ainda vivo, embora transformado para se adequar aos novos tempos mesmo que mantenha seu norte político: a ação violenta contra os “antípodas” da nação – ou seja, qualquer sujeito ou grupo social que não compartilhe os denominadores comuns que os qualificariam para tornarem-se membros da “verdadeira nação”, segundo a retórica fascista. Uma nação imaginada, cuja referência é o passado; um passado idílico, onde a harmonia era garantida pela concentração de poder em um césar; uma fantasia distante. Ao se voltarem à defesa das tradições, se opõem visceralmente a um mundo onde as relações sociais são cada vez mais marcadas pela multiplicidade de pensamentos.
No passado, Meloni atuou na ala jovem do Movimento Sociale Italiano-Destra Nazionale, criado por ex-integrantes do PNF para concorrerem às eleições após a reabertura da Itália à democracia. Com o fim do regime liderado por Benito Mussolini em 1943, o fascismo e suas diferentes versões foram criminalizados. Assim, os adeptos desse comportamento político, buscando fugir do estigma do radicalismo, se abrigaram em legendas partidárias para disputar espaços de poder na arena eleitoral democrática, sistema contra o qual lutaram. Trata-se, portanto, da continuidade do projeto fascista sob nova forma, buscando seu espaço em novos tempos. Meloni faz parte desse projeto e seu atual partido também: frequentemente, é classificado como uma organização pós-fascista, um eufemismo para insinuar o distanciamento entre o fascismo do presente e o do passado.
O fascismo é uma ideia e, como tal, não desaparece tão facilmente. É modificada, se desenvolve, recua, mas se mantém viva quando interesses se conjugam para isso. Não há, portanto, um ressurgimento do fascismo, como muitos podem pensar. Não estamos a ver uma repetição do passado na Itália, mas a perpetuação dele, a sua persistência em nosso tempo. Como nos disse o historiador francês François Bédarida, os traumas do século XX se apresentam, muitas vezes, como um passado que insiste em permanecer vivo, assombrando nosso tempo e ameaçando o futuro. Nesse caso, trata-se de um trauma que não foi devidamente sanado anteriormente. A eleição de Meloni é um claro sintoma disso. O fato não apenas deixará militantes extremistas à vontade, uma vez que compartilham formas de pensar com a futura premiê – sobretudo em relação à presença de imigrantes pobres no país -, mas também tornará outros representantes da mesma alçada confiantes em suas agendas políticas. Com isso, faz a sua parte para a sobrevivência do fascismo.
O impacto da vitória de Meloni na Itália, alicerçada pela oferta de segurança e estabilidade por meio do autoritarismo e da ênfase na preservação da ancestralidade etnolingúistica, será sentido em outras partes do mundo. O aceno da futura premiê a Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, demonstra isso. Sinaliza para o fato de que o autoritarismo se interliga pela aproximação de interesses e pela defesa de visões sobre o futuro que são bastante comuns, independentemente do país, ganhando solidez ao passo que se dissemina. Em um mundo ainda sob os efeitos da crise internacional causada pela pandemia, é possível que outros líderes políticos tirem proveito da fragilidade e do medo de suas populações para alcançarem elevados patamares de governabilidade. O caso italiano é, portanto, um perigoso exemplo tanto para outros representantes políticos alinhados a projetos autoritários, quanto sobre a persistência do fascismo mesmo após cem anos.