Profª Drª Andreza Maynard
Universidade Federal de Sergipe
Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
No dia 5 de janeiro de 2023, o Twitter registrou o uso do termo “Festa da Selma” em vários perfis bolsonaristas. As postagens eram acompanhadas por instruções codificadas que prepararam a invasão da Praça dos Três Poderes. “Selma” é uma alusão à “Selva”, expressão comumente utilizada por militares brasileiros.
A ação dos bolsonaristas radicais foi noticiada em importantes veículos de comunicação nacionais e internacionais. O The New York Times afirmou que essa foi a culminância violenta dos ataques retóricos do ex-presidente e seus apoiadores contra o sistema eleitoral no país. Já o El País considerou o evento como um assalto à democracia.
A principal motivação dos ataques foi a inconformidade com o resultado das eleições presidenciais de 2022, na qual Jair Bolsonaro foi derrotado por Luís Inácio Lula da Silva. Depois de acamparem em frente aos quarteis do exército, pedindo uma intervenção militar no país, ou seja, um golpe político, os bolsonaristas chegaram a ameaçar a ocupação de refinarias e a paralisação de estradas mais uma vez.
Ao invés disso, o alvo foi Brasília. Para lá, seguiram comboios de ônibus que transportaram uma massa passional, disposta a cometer atos extremos em nome da defesa dos seus ideais e a fazer muitas selfies.
É notório que os bolsonaristas têm em comum o ódio ao comunismo. Um sentimento que é alimentado por seu líder. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou repetidas vezes que a vitória de Lula significaria a chegada do comunismo ao Brasil. Passadas as eleições, a massa que tem uma adesão cega aos valores da extrema direita continua a repetir essa falácia.
O argumento de que o país estaria prestes a sofrer um ataque comunista já foi empregado em outros momentos da história e funcionou como uma potente ferramenta para atentar contra a democracia brasileira.
Em 1937, o suposto “Plano Cohen” foi divulgado em vários jornais impressos, revelando um plano elaborado pela Internacional Comunista para tomar o Brasil. O documento, anos mais tarde declarado falso, foi divulgado pelo Estado-Maior do Exército e, à época, serviu de justificativa para a implementação do Estado Novo, o governo ditatorial de Getúlio Vargas.
Durante a Guerra Fria, num contexto de polarização mundial entre capitalismo e socialismo, a democracia brasileira foi novamente assaltada. Em 1964, teve início outra ditadura; dessa vez, levada a cabo abertamente pelo Exército em nome da defesa do país contra uma suposta invasão comunista.
Entretanto, em 2023, a retórica da “ameaça comunista” não conseguiu desferir um golpe fatal contra a democracia brasileira. As advertências a respeito de uma suposta virada comunista no país não têm qualquer fundamento empírico, nem tão pouco são baseadas em pronunciamentos feitos por Lula quando foi presidente entre 2003 e 2010, ou durante a campanha de 2022.
O objetivo de instaurar o caos para forçar uma intervenção militar no Brasil foi colocada como moralmente justificada pelos bolsonaristas radicais diante da importância que a luta contra o comunismo representa para eles. Mesmo sem apresentar qualquer evidência palpável de que isso vá ocorrer de fato, a retórica bolsonarista continua a incitar os apoiadores de Bolsonaro a lutar contra os moinhos de vento do comunismo.
A massa que depredou prédios públicos, quebrou vidraças, computadores, veículos, que danificou e desapareceu com obras de arte como vasos de porcelana, relógios antigos, pinturas e outros objetos, causaram um dano estimado em R$ 3 milhões ao patrimônio público e geraram inúmeras fotos e vídeos de autoria dos próprios invasores do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Tais registros foram compartilhados por eles mesmos no Instagram e Facebook.
Toda a exposição virtual voluntária dos bolsonaristas está ajudando a polícia a identificar os envolvidos nos atos criminosos. O desejo de aparecer nas redes sociais fazendo algo de “interessante” e significativo tem se tornado cada vez mais comum e, em geral, está associado a uma necessidade humana de aprovação social.
Contudo, ao contrário do que se esperava, o resultado da “Festa da Selma” não está sendo tão divertido quanto o planejado. Além dos likes e comentários lisonjeiros por suas postagens, os bolsonaristas estão recebendo ordem de prisão por terem transformado a Praça dos Três Poderes numa “Selva”.