Partilho com meus leitores uma frase que me pareceu abominável, porque a depender da causa, inclusive agora, com tanta caça às bruxas, em novo “corredor polonês” instaurado, tudo vale, até uma reedição de câmaras de gás à Adolf Eichmann (1906-1962), ou à Reinhard Heydrich (1904-1942), carrascos nazistas, ou à Roland Freisler (1883-1945), seu julgador intolerante.
Todos, verdadeiros “alter egos”, deles próprios, ou “alii eadem”, por carnífices e carniceiros iguais; uns executores, sujando as próprias mãos, e outros se enodoando, a si mesmo e à alma, prolatando, definitivamente, sem perdão, clemência ou tolerância, a decisão final, enquanto corte e toga, sem falar que tudo isso acontece por açulamento ao vulgo, via imprensa, sempre bem constituída de almas puras e brandas, como o fora Jean-Paul Marat (1743- 1793), “L’Amie de Peuple”, o “amigo do povo” ao tempo da sanguinária Revolução Francesa, sempre espelho dos que desejam mudar o mundo à sua imagem e frustração.
Mas, o que pretendo falar, nada tem a ver, e o tem, tudo também, com a Alemanha Nazista, com a Rússia Soviéticade Joseph Stalin (1878-1953) e Lavrenti Beria (1899-1953), e também com a longínqua Revolução Francesa.
Diz a frase, antes lamentando exibí-la: “Na guerra não se atira em homens, atira-se em uniformes!”
Tal citação, uma pérola de estupidez, segundo o meu interpretar, ouvi-a no filme “Shefferds and butchers” de 2016, que bem poderia ser traduzido como “Pastores e açougueiros” (ou “magarefes”, por “abatedores de animais”), mas que em português restou vertido por “Cordeiros e Carrascos”, o que não deixa de ser mais chamativo, a despertar curiosidades.
O filme, um processo judicial, é inspirado em fatos reais ocorridos na África do Sul, no tempo do apartheid, envolvendo o julgamento de um policial, ou melhor, de um agente penitenciário, ou de carceragem, acusado de matar sete atletas, em evidente crime a merecer, segundo a legislação vigente naquele país, a pena de morte, por enforcamento.
Ocorre que o réu em questão, enquanto guarda prisional, socializava e convivia com os eventuais encarcerados, mais precisamente com os internos do “corredor da morte”, local onde os presos aguardavam por sua execução, a ser realizada 90 dias após a condenação.
Como dito, o filme se passa na África do Sul, tempo de União Sul Africana, então regida por lei vigente em toda a Commonwealth Britânica, na metade do século passado.
Naquele tempo em todo Império Britânico vigia a pena de morte.
Os prisioneiros, a ela condenados, tinham uma sobrevida por 90 dias, a contar do seu veredito processual, tempo em que aguardavam no “corredor da morte”, uma “clemência”, que se fazia sempre remota.
Neste “corredor da morte”, narrado terrivelmente no filme, os presos terminavam enforcados pelos próprios agentes prisionais, seus executores e carrascos, em sucessivas tentativas, a evidenciar uma tortura inconclusa e continuada.
Em verdade, a trama enfoca a desumanidade e o sofrimento, tudo acobertado pela Lei, e sempre reivindicado pelas ressurgentes paixões, que a tudo requerem e justificam.
E porque tudo pode ser justificado por paixões, estamos a viver tempos parecidos, quando por rescaldos do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes em Brasília, convocam-se novos Pogroms, desta feita, contra os “Patriotários Bolsonaristas”, em novilíngua conjuntural, a merecer sua sumária extinção, enquanto raça humana, por desumana; hemi-igual, quase-igual, ou sempre igual, ao que se vê com os condenados à morte no filme, e que se viu também em todos os tempos intolerantes, marcados nos livros de História, quando imperaram a vontade e o desejo enfurecidos dos alemães nazistas, dos russos stalinistas, dos “cordeliers”, nada ordeiros franceses, e dos sempre funestos jacobinos, tão venenosos quão pouco idealistas defensores de “La Liberté, la Fraternité et l’Égalité”, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, nunca funestas, nem malditas .
Maldição que, por certo, nos restará igual, sem diferença, sobretudo agora, quando os espíritos tolerantes, moderados e sensatos se emudecem, com receio também, de serem revolvidos no maremoto intolerante do denuncismo, que se avoluma e se assoma, com foto, nome e CPF, documentados, via imprensa, aqui também, por tantos enraivecidos e furiosos surgidos, que se pensam e posam ungidos, como novos “Arcanjos de Deus”, como fora um dia, Lois Antoine Saint-Just (1767-1794), ao seu tempo, dele, injuriosos, como se fazem comuns no “bom levante”, quando se quer bem defender espertamente, tanto a “Democracia Ameaçada”, quanto o seu mais que notável, “Estado de Direito Conspurcado”, tudo aquilo que se requer novos patíbulos e fogueiras, mesmo que seja ao arrepio da lei, por rapidez e eficiência requeridos em nome conciso, rápido e preciso, imediato julgamento.
Porque nessas ausências de sizo, imperam as intolerâncias “Prairiais”, iguais àquelas do “Terror Revolucionário Francês”, quando democraticamente “A Convenção Reunida aprovou a ‘Lei dos Suspeitos de serem Suspeitos’”, e cabeças foram roladas em demasia, quase igual em euforia, ao do transitado e julgado, no Supremo, encastoado.
Euforia que convém lembrar, porque em tempos comuns de calendários “Prairiais”, o radical essencial salta e pulula.
E ascende, e cresce, o recalcado fundamental, aquele que bem posa liberal, tolerante e moderado, como fora Maximilien Robespierre (1758-1794), enquanto advogado oponente à pena de morte, mas que em “2 de Prairial, do ano II Revolucionário”, ou Junho de 1793, “quand il contrôlait la poignée du couteau révolutionnaire a coupé tellement de têtes qu’il s’y habitua…” Isto é: quando ele estava no controle do cabo da faca revolucionária, decepou tanta cabeça que se acostumou…
E que de tanto à faca se afeiçoar, enquanto carrasco sem as mãos poluir, queria que a inteira multidão, tivesse uma cabeça única, para poder amputá-la; de um só golpe!
Foi quando vingaram os tempos tórridos e fatais, das auras estivais, de mais calor, do mês “Termidor”, tudo restando melhor e mais ameno.
E foi aí que lhe cortaram a cabeça, na mesma lâmina, no mesmo cepo, um mês após,“car le calendrier est inexorable”, isto é: o calendário é inexorável!
Tudo porque, ao seu querer e sem querer, a cada Maio ou Junho, prossegue sempre um Julho.
E a um “Prairial” acabado, coisas da vida, vem seguinte em Agosto, um novo oposto, por reposto, em novo posto e renovada reação dita: “Termidoriana”! Promovendo acalmia, sem mudar nada! Porque o homem é o mesmo, em medos e traumas.
E que não se confunda com o “Camarão à Termidor”, sempre um bom prato a bem degustar pelos que lhe não são alérgicos.
De alergias e hipersensibilidades, eu a tenho por estas figurinhas, “enojadinhas”, que se creem mais impolutas e saudáveis que os demais, como eu, no meu viver tolo e senil, só teimando em assim resistir e prosseguir.
Por transtorno e sem vingar estorno, tais figuras, anônimas, algumas vezes, expostas, e mal postas, ou supostas, mais das vezes, sem se sentirem impostas ou impostoras, querem mudar o mundo, refazê-lo à sua maneira, seu enviés e à sua maneira e herdade.
São figuras, penso eu, que não forram o próprio leito que dormem, ao levantar-se do sono rouquenho, não lavam o prato que sujam, e às vezes, assim suponho, mal se alimpam na calcinha ou na ceroula que utilizam.
São suposições minhas, afinal tem pessoas que mal se miram no que fazem e irradiam, mas querem punir os outros, aqueles com quem trombam na passagem.
E assim, em excedentes trombadas, colidi-me com indiscretas hipóteses, que não cabem a mim, falar em civismo ou asseio, permear o gosto e o malgasto, nem o desgaste de cada qual.
E nesse devaneio, vadeei por onde não devia, sem sair fora do texto ou da intenção, afinal em tais figuras também, estou a mirar-lhes por seu agir a frase mote desse texto: “numa guerra não se atiram em homens, atira-se em uniformes!”
Ou não é assim que pensam, estes que querem punir enlouquecidamente os “bolsonaristas”, todos à ponta de chuço espicaçados, guiando-os à vala comum de valeta, de sarjeta, ou de esgoto, e até a esta cloaca nova e moderna, por desmonetização em hasta pública?
Não invocam tudo isso esses novos valentes?
São os eternos insolventes, nunca poupando um melhor crédito no seu viver…
Mas, deixemos o fuço, o fusso, e o chuço, desse novo “corredor polonês” recém-instalado, e voltemos ao “corredor da morte” do filme, onde os presidiários, todos negros, eram forçados por carcereiros-carrascos, todos brancos, a insinuar um racismo, em imagens explícitas, por vigente.
Interessante é que, por racismo contundente, o acusado do filme, um carcereiro, matara sete homens negros, todos idolatrados atletas, sem um justo motivo, num processo traumático, enfatizado minudentemente por seu defensor e advogado, destacando o trauma da atividade do seu defendido, enquanto verdugo, a serviço da Lei, tendo que enforcar figuras com quem partilhara amizade e muitas confidências, entre medos traumas.
O filme debate o horror traumático da pena de morte, a sua estupidez hedionda, destacando o papel do Estado, intolerante e cruel, em meio à sanha vingativa dos parentes das vítimas, plateia constituída de negros, a querer a mesma insólita justiça para si, por desforra.
Algo semelhante ao que se vê agora, com tanta gente querendo “punir exemplarmente” a tantos quantos “novos-terroristas”, denunciados.
Se não é assim,… É dessa maneira como percebo a tantos querendo, “não alvejar homens, mas acertar-lhes só, e somente, os uniformes indesejados”.