Andrey Augusto Ribeiro dos Santos
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional (GPPI/UFRJ) e do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
Em 24 de fevereiro de 2023 fez um ano desde que tropas russas invadiram o território ucraniano. Ao longo desse período, são numerosas as consequências que a Guerra na Ucrânia tem causado ao cenário global. Além dos enormes custos materiais e humanitários para os dois países envolvidos, no caso da Rússia há também o peso das sanções internacionais, que golpearam fortemente sua economia. Já no cenário internacional, enxergou-se principalmente a crise de refugiados na Europa e o impacto econômico provocado pela diminuição da oferta de recursos energéticos por parte da Rússia e de alimentos por parte da Ucrânia.
Moscou apresentou uma série de justificativas para a invasão do território ucraniano. As principais delas consistiam num suposto genocídio empreendido por grupos neonazistas, envolvidos com o atual governo da Ucrânia, contra a população russa residente no leste do país invadido e uma questão de segurança nacional criada pelo desejo do governo ucraniano de integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Porém, ao olharmos com mais atenção, podemos perceber que esse conflito é, em grande parte, resultado de questões mal resolvidas referentes às relações entre os dois países durante a Guerra Fria, período no qual integraram a União Soviética.
A Ucrânia teve grande importância para os soviéticos e se tornou independente em 1991, com a desagregação do bloco comunista. Desde então, observadores apontam que duas perspectivas entraram em rota de colisão. Uma russa, descontente com a perda de uma posição geopolítica de prestígio alcançada durante o século XX e que passou a ver como natural a necessidade de ter a Ucrânia como sua subordinada. A outra ucraniana, que viu na independência a concretização de uma autodeterminação política aguardada desde o fim da Primeira Guerra Mundial.
O choque entre essas duas visões fez com que ações russas contra a integridade e soberania dos ucranianos impulsionassem a aproximação destes últimos com o ocidente no decorrer do tempo. Tal aproximação se deu sobretudo com a OTAN, aliança militar criada no início da Guerra Fria para conter os soviéticos. Assim, com a decisão tomada pelos estadunidenses, em 1994, de expandir a aliança para o leste europeu, a questão entre russos e ucranianos se agravou. Além de uma perda geopolítica estratégica, Moscou também poderia ter que ver a organização ocidental se tornar uma alternativa de segurança para países da antiga zona de influência soviética, o que inflamou o seu senso de prejuízo e insegurança.
A invasão da região da Criméia em 2014 e o apoio aos separatistas da região do Donbass, ambas na Ucrânia, acabaram fortalecendo o desejo ucraniano de se defender da Rússia, buscando apoio principalmente no ocidente. Assim, o pedido feito em 2021 por Volodymyr Zelensky, atual presidente da Ucrânia, para integrar a OTAN contribuiu fortemente para o aumento das tensões já presentes entre os dois países, que resultaram na invasão russa ao país.
Atualmente a guerra se encontra num impasse. A força da resistência ucraniana tem surpreendido aqueles que tentaram fazer previsões sobre o conflito ainda no seu início, em boa parte graças ao apoio militar e financeiro dado por países europeus e pelos Estados Unidos. Mesmo assim, as condições de negociação da paz colocadas pelos dois beligerantes, mesmo após recuos em alguns requisitos colocados inicialmente, ainda se mostram incompatíveis em vários pontos, o que aponta para uma extensão aparentemente indefinida dos combates.
No mais, alguns analistas já apontam esse conflito como um divisor de águas nas relações internacionais do início do século XXI. Assim, fatores como uma divisão geopolítica bipolar no espaço europeu, semelhante à ocorrida na Guerra Fria; um aumento dos investimentos europeus na área militar e um acentuamento da desglobalização produtivo-financeira, que já vinha crescendo devido à pandemia de covid-19 e à disputa comercial entre EUA e China, são algumas das consequências esperadas para o cenário internacional pós-Guerra na Ucrânia e que trazem grandes mudanças para a política internacional.
Tudo isso aponta para um futuro cenário geopolítico de tensão e instabilidade na Europa, com consequências potencialmente graves para o resto do mundo. Se somarmos a isso outras questões que se apresentam à comunidade internacional, como o avanço do aquecimento global, o aumento das desigualdades sociais e financeiras e a crise das democracias liberais, o início do século XXI se torna bem mais desafiador e sombrio do que já vinha se mostrando.
Em 2022, o Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS) promoveu o minicurso “Para entender a Guerra na Ucrânia”, com quatro aulas de especialistas no assunto. Você pode acessar esse conteúdo online e gratuitamente no canal do grupo no Youtube, intitulado Tempo Presente UFS GET.