Reeducação alimentar e exercício físico, uma fonte de sacrifício

Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento (Clarice Lispector).

Nos últimos anos diversos estudos realizados em várias partes do mundo evidenciaram que a reeducação alimentar e a atividade física colaboram com o emagrecimento do indivíduo e consequentemente reduzem a hipertensão arterial e ajudam no controle do Diabetes Mellitus. Diversos exames de avaliação da fisiologia do nosso organismo nos conduziram a essas interessantes conclusões.

Em uma dessas pesquisas se descobriu algumas alterações fisiológicas do organismo dos obesos que explicam por que as pessoas com excesso de peso são mais propensas a desenvolver pressão alta – hipertensão – do que as que estão em paz com a balança. Nos obesos, os comandos nervosos que levam à redução do diâmetro dos vasos sanguíneos dos braços e das pernas estão mais ativos. Por essa razão, as artérias permanecem mais fechadas, sem se dilatarem, e o sangue não se espalha pelos músculos como seria desejado durante uma atividade mental ou física de intensidade moderada – uma corridinha até o carro num dia de chuva, por exemplo-, ou mesmo em repouso. E, como nessas horas o coração bate mais rápido, a resistência dos vasos sanguíneos contraídos faz a pressão subir acima do esperado.

Como se não bastasse, as pessoas com o peso acima do recomendado vivem outro problema: o organismo delas não consegue utilizar, com a eficiência desejada, o hormônio insulina, que extrai o açúcar (glicose) do sangue e o leva até as células dos músculos e dos outros tecidos, onde é convertido em energia. Essa é a razão pela qual quem é gordo está mais sujeito que os magros ao diabetes tipo 2, que amplia o risco de problemas na circulação capazes de afetar o coração ou o cérebro. Analisados em conjunto, esses estudos trazem uma notícia animadora: a perspectiva de prevenir e mesmo tratar tanto a hipertensão como a resistência à insulina. Esses dois problemas afligem cada vez mais pessoas em consequência do aumento do número de obesos no país, que cresceu mais de duas vezes nas duas últimas décadas – hoje cerca de 114 milhões de brasileiros estão com o peso bem acima do considerado saudável.

Mas a saída talvez faça torcer o nariz de quem não troca uma feijoada por uma caminhada. De acordo com diversos estudos realizados na universidade de Toronto, no Canadá, não existe outra forma eficiente de reverter as consequências do excesso de peso a não ser associar dieta com exercícios físicos. Só diminuir o tamanho das porções ajuda a emagrecer, sem dúvida, mas não reduz tanto os riscos de hipertensão e diabetes como quando o regime se soma aos exercícios. E não basta fazer uma atividade física qualquer, como caminhar até o supermercado ou subir as escadas em vez de tomar o elevador. O exercício físico deve ser programado e feito com regularidade, respeitando a capacidade física e cardíaca de cada pessoa. Não é pouco o que se tem de suar. Outros estudos já haviam indicado que é necessário consumir pelo menos 1.500 quilocalorias (kcal) por semana para reduzir o risco de doenças que afetam o coração e a circulação – o equivalente a um sedentário pedalar uma bicicleta durante uma hora, de três a

cinco vezes por semana. Mas ninguém deve se aventurar a fazer exercício sem antes passar pelo teste de esforço cardiorrespiratório, que avalia a capacidade física e de funcionamento do coração e da circulação durante o exercício.

Dussedolf

Algumas outras pesquisas realizadas na universidade de Dussedolf, na Alemanha, evidenciaram que comer menos e fazer mais exercícios, desde que com a intensidade adequada e as devidas orientações, não apenas ajuda a eliminar os pneuzinhos da cintura e as gordurinhas dos quadris, mas também evita que se perca a elasticidade e a tonicidade dos músculos. O duplo sacrifício compensa por uma razão muito importante: o exercício físico modifica o funcionamento das células dos músculos e faz com que o organismo aproveite melhor a insulina. Essas alterações revertem a resistência à insulina e evitam o diabetes tipo 2 , uma da consequências mais nocivas do excesso de peso.

Para podermos qualificar os indivíduos do ponto de vista da existência ou não de sobrepeso ou da obesidade utilizamos o que se chama de índice de massa corpórea, o IMC, que corresponde ao peso dividido pelo quadrado da altura. Uma mulher com 66 quilos e 1,68 metros tem IMC de 23,4. Está dentro da faixa considerada saudável, que vai até 25. Mas estaria com sobrepeso se pesasse entre 70,5 e 84,6 quilos, e seria uma obesa, com IMC acima de 30, se tivesse mais que 84,6 quilos.

Além disso, existe a faixa de maior risco para a saúde, seria uma obesa moderada se ficasse entre 30 e 35, severa de 35 a 40 e finalmente uma obesa mórbida se ultrapassasse o IMC de 40.

São Paulo

Em uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo, uma equipe multidisciplinar acompanhou 67 mulheres na faixa etária de 21 a 43 anos, com um peso que variou de 68 a 110 kg e separou-as em 2 distintos grupamentos: no primeiro, que foi composto por 28 destas mulheres, a orientação foi de apenas fazer dieta com 700 calorias ao dia, quando sabemos que o consumo mínimo recomendado ao brasileiro é de 2300 calorias /dia.

As demais 39, aliaram a sua redução calórica um exercício moderado, três vezes por semana, durante 60 minutos. Esse exercício consistia em andar de bicicleta ou caminhar a passos rápidos. Em ambos os grupos houve diminuição da resistência à insulina, mas os exercícios multiplicaram esse benefício por dois: a sensibilidade à insulina cresceu 50% entre as mulheres que caminharam e comeram menos, enquanto o aumento foi de 22% entre as que apenas fizeram dieta.

Esses resultados nos estimulam a orientar nossos pacientes nessa direção, ou seja, da dieta aliada ao exercício não esquecendo que a primeira é sempre da responsabilidade do nutricionista e a segunda do professor de educação física e/ ou fisioterapeuta. Esse grupo de pesquisadores também observou que após o treinamento, o volume de sangue que chegava aos braços e às pernas de quem caminhou ou pedalou era 50% maior. Essas alterações se devem em parte à diminuição da atividade do sistema nervoso simpático que controla a dilatação dos vasos sanguíneos, permitindo que eles aumentem de diâmetro.

O que foi observado é que com o tempo o coração também se adapta aos exercícios e passa a responder de forma mais eficiente: bombeia mais sangue a cada batida e, assim, trabalha menos. Em consequência, melhora a irrigação dos músculos e diminui a pressão arterial. Um fato que deixou dúvidas no ar foi que nos dois grupos estudados as mulheres perderam uma média de dez quilos, porém as que fizeram apenas dieta perderam gordura, mas também uma parcela dos seus músculos, que além de ser um efeito indesejável, com o passar do tempo pode facilitar a recuperação de parte do peso perdido.

Por outro lado, se comprovou que as mulheres que fizeram dieta e exercício queimaram apenas tecido adiposo. Outro grupo de pesquisadores resolveu avaliar se essas alterações fisiológicas também poderiam ocorrer em crianças.

Foram avaliadas 183 crianças obesas, de ambos os sexos, na faixa etária de 8 a 12 anos. A avaliação do grau de obesidade foi feita corrigindo o IMC de acordo com a idade de cada criança. Os registros coletados foram então comparados com o de outras 17 crianças consideradas como magras.

O que se observou foi que já na infância e na adolescência o excesso de peso afetava de forma significativa o funcionamento do sistema nervoso simpático: o fluxo de sangue para os braços e as pernas das crianças obesas aumentava apenas 14%, enquanto nas magras essa elevação atingia 43% durante o teste de estresse mental, em que as crianças tinham de dizer em qual cor o nome de outra cor estava escrito: por exemplo, as palavras vermelhas escrita com tinta azul. Os gordinhos também apresentavam uma elevação da pressão sanguínea superior ao normal para a idade e já sofriam de resistência à insulina. Esses valores retornaram aos níveis normais entre as crianças obesas após quatro meses de treinamento em que fizeram uma hora de atividade física – exercícios e brincadeiras – três vezes por semana. Com certeza essas descobertas poderão auxiliar na prevenção e no tratamento do diabetes e da hipertensão também em crianças.

A necessidade de aliar dieta ao exercício é reiterada de um modo ou de outro, em diversas publicações em todo o mundo.

Organização Mundial da Saúde

A obesidade, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, já é um dos dez mais importantes problemas de saúde pública do mundo contemporâneo. Calcula-se que 1 bilhão de pessoas tenham um peso um pouco além do que se considera como saudável (sobrepeso) e  300 milhões estejam já na faixa da obesidade, sendo que cerca de 1/3 deles se encontram nos países em desenvolvimento. O excesso de peso é mais visível nos países mais ricos e industrializados, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha, onde o número de obesos triplicou nos últimos 30 anos.

Estados Unidos da América

Os Estados Unidos são hoje o maior pólo de obesidade do mundo, lá a disponibilidade diária per capta de alimento é de 3.800 calorias, ou seja, quase 50% superior ao recomendado pela organização mundial de saúde, além disso, 1/3 da população adulta tem sobrepeso e aproximadamente 34,2% são obesas.

O governo Norte Americano além de gastar quase 100 bilhões anualmente para tratar de problemas decorrentes da obesidade, já encara essa “doença” como epidêmica, combatendo com campanhas nacionais, em que sugerem, por exemplo, que os pais levem seus filhos à escola caminhando e deixem seus carros em casa.

Mas não é privilégio dos Estados Unidos a alta incidência de obesidade, pois ela está se expandindo em muitas nações européias e principalmente em países em desenvolvimento que aderem ao estilo de vida norte-americano, que se caracterizam pelo sedentarismo, refeições rápidas, mas geralmente hipercalóricas (fast food), biscoitos e bolos em abundância e a qualquer hora, configurando um quadro alimentar rico em gorduras e açúcares.

Devido a esse fenômeno denominado globesidade, nem os franceses que sempre se destacaram pelos seus hábitos alimentares e pelo seu corpo esbelto, estão tendo dificuldade de se manterem esguio, (cerca de 16,5% dos franceses são obesos).

Brasil

No Brasil, nas últimas 4 décadas, o número de obesos praticamente dobrou. Os homens principalmente triplicaram em relação às mulheres que “apenas” duplicaram. Um fenômeno interessante foi a redução do número de mulheres com excesso de peso nas classes mais ricas da região sudeste.

Da década de 70 até o início dos anos 2000, a quantidade de calorias disponíveis para cada brasileiro – mas não necessariamente consumidas por todos – aumentou de 2.494 kcal por dia para 2.967 kcal, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. É um crescimento de 20% que, no entanto não ocorreu de modo homogêneo: a disponibilidade de proteínas cresceu quase um terço e a de gorduras, 55%. Nós consumimos quase duas vezes mais açúcar do que deveríamos. Em um estudo publicado no Rio de Janeiro, se avaliou o avanço da obesidade em relação à escolaridade. E, conclusão: de 1975 a 1989, o número de casos de obesidade dobrou entre homens e mulheres que frequentaram a escola por mais tempo. Já no período seguinte, de 1989 a 1997, o crescimento foi maior entre a parcela com menos estudo e diminuiu entre as mulheres de formação mais elevada, com pelo menos 12 anos de estudo.

Hoje, a obesidade supera os índices de desnutrição e o perfil nutricional do brasileiro encontra-se numa fase de transição, em que a desnutrição diminuiu e a obesidade aumentou , aproximando-se do quadro norte-americano.

Nas últimas décadas, a desnutrição caiu de 8,3% para 3,5% entre os homens adultos e de 13,4% para 6,5% entre as mulheres, mas ainda continua elevada (9,6%) entre as mulheres mais pobres do Nordeste. Caso essa tendência se mantenha, em breve os casos de obesidade e as doenças a ela relacionadas se concentrarão nos setores menos favorecidos da sociedade. O Ministério da Saúde criou uma política nacional de alimentação e nutrição, que, entre outras medidas, tornou obrigatória a discriminação das calorias nos rótulos de alimentos industrializados e obrigou as prefeituras a empregarem 70% do orçamento destinado à alimentação de alunos do ensino público na compra de alimentos frescos como frutas e legumes.

Dessa forma, nos deparamos com uma situação considerada a grande ironia do século XXI: embora milhões de pessoas ainda passem fome, nunca foi tão fácil conseguir comida. Ao menos em alguns países, come-se mais e gasta-se menos energia para conseguir comida. Ninguém precisa mais sacar o arco e a flecha e sair à caça de um animal na selva para comer carne – basta pegar o telefone e fazer o pedido ao restaurante da esquina.

E a genética?

Há cerca de 50 anos os geneticistas já se empenhavam no estudo da origem da obesidade e uma das teorias apresentadas dizia que a alimentação era mais escassa e não era possível comer a qualquer hora. Mas o que era uma vantagem que permitiu a sobrevivência de algumas populações ao longo da história da espécie humana se torna uma desvantagem, agravada pelo conforto da poltrona que convida a preguiça fácil enquanto chega o jantar.

Mas não é só o fato de haver mais comida por perto e a tendência atávica de comer que tornam mais complexa à batalha contra a obesidade. Existem pelo menos 300 genes que, direta ou indiretamente, regulam os modos pelos quais o organismo armazena e consome gordura, matéria-prima para a produção de energia. Em São Paulo, na USP, já foram identificados em brasileiros duas variações no gene responsável pela produção do hormônio leptina que favorecem o desenvolvimento da obesidade e podem servir como indicadores da propensão de cada indivíduo de ganhar peso. Ainda não se sabe ao certo o quanto todos os genes contribuem para a obesidade, mas já é clara a importância de alguns deles. Dos genes ligados à obesidade, o que mais frequentemente aparece alterado é o MC4R ligado a complexos  processos bioquímicos que adiam a vontade de comer. Mesmo assim , essa modificação ocorre em apenas 6% dos obesos.

Sabemos também que, além de fatores emocionais e ambientais, ao menos dois mecanismos bioquímicos regulam o peso. Um deles, mais imediato, regula a ingestão diária de alimentos e seu controle está essencialmente ligado a dois hormônios produzidos no sistema digestivo, a grelina e o PYY. Já a manutenção do peso por meses ou anos parece depender da leptina, produzida pelas células de gordura, e da insulina, que regula o consumo de açúcar das células. Até os grandes pesquisadores em obesidade concordam que não é mesmo fácil resistir à vontade de dar só mais uma mordida no sanduíche: os mecanismos biológicos que induzem a comer parecem ser mais fortes que os que levam a parar.

Está também mais claro por que é difícil manter o peso após emagrecer. Além disso, sabemos que a redução de peso faz cair a taxa do hormônio leptina – originando daí o estímulo para comer mais. A sensação de fome é tão intensa, que, se não é tão poderosa quanto a necessidade de respirar, provavelmente não é menos potente que a necessidade de beber quando se tem sede.

Um boa Semana com muita saúde e uma boa dose de atividade física e alimentação saudável.

Namastê!!!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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