Voltando a Bragelonne.

Voltando a Bragelonne.

Dizia eu que quando se trata de bem gastar o dinheiro que não nos pertence, cada um a seu modo e parecer, tem uma opinião diferente de como bem administrá-lo.

Era assim com o Rei Luís XIV, jovem e sem experiencia ainda nas mãos de cortezões, ministros e aduladores.

Dinheiro que é bom, segundo relato de Alexandre Dumas, em “O Visconde de Bragelonne”, o Rei não possuía numerário em suficiência, a ponto de invejar até mesmo uma junta de cavalos como a que servia a Carruagem de seu Superintendente das Finanças do Reino, Nicolas Fouquet.

A mãe do Rei, Ana d’Áustria, antes regente do Reino, sentira bem as agruras financeiras do dia a dia, tendo sempre que pedir a Fouquet e a Mazzarino, numerário para as suas comezinhas despesas. Ela bem sabia que só aquele que controla o cofre e toma conta do dinheiro é quem tem a força, o comando, de onde todos dependem, até o Rei, de onde se pensa que vem todo o poder.

Bem dizia a Rainha: Um homem rico tinha mais poder do que o próprio Rei, afinal aquele tinha dinheiro para adquirir tudo o que a moeda sonante permite, já um Rei, não tendo um montante para chamar de seu, nada podia. Dependia sempre da boa vontade de seus ministros financeiros, afinal estes é que ditavam as verdadeiras necessidades do Reino.

Curioso é que o Rei em os nomeando, os enriquecia, como Mazzarino que era um homem rico, em dilemas à beira da morte, perante o julgamento divino, e Fouquet com seus cavalos de raça formidáveis, uma exibição tosca do seu fastígio, invejando até Luís XIV, que não possuía numerário suficiente para adquirir uma biga igual.

– “Eu poderia até dar os meus cavalos de presente a Vossa Majestade, disse Fouquet, mas é vedado ao Reireceber tais presentes de seus auxiliares, soaria como corrupção, suborno ou apropriação indevida”.

O Rei tinha que se contentar com a sua Majestade, aquela que bem enriquecia os seus auxiliares, e ser por consequência uma espécie de rinoceronte, um animal exótico qualquer, despertando curiosos por onde passasse, nunca conseguindo um momento seu exclusivo, cercado por ociosos através de corredores estreitos ou largos do palácio, todos dando conta, intrigando e mexericando do que este fazia, até mesmo nos percursos comezinhos da vida, entre o leito, os bidês e os urinóis.

E foi quase saído dos lençóis que o Rei recebeu a carta testamento do Cardeal Mazzarino, porque no relato de Dumas, a missiva foi lida na presença de ambos, de Ana d’Áustria e de Nicolas Fouquet, e o seu conteúdo espantara a todos, afinal ali continha uma doação de quarenta milhões de libras, quantia impossível de se imaginar, sobretudo numa doação em moeda sonante de prata e ouro.

O que fazer então com o dinheiro?

Para a mãe do Rei, Ana d’Áustria, este deveria urgentemente receber o montante, agradecendo o presente do Cardeal, numerário suficiente para torná-lo rico e poderoso.

Já para o Superintendente Financeiro, Nicolas Fouquet, estribado no mesmo argumento dos cavalos de raça não recebidos por presente, o Rei deveria agradecer a doação, mas recusá-la, afinal  quem enfeixa em si o poder executivo, tem impedimentos próprios, passíveis de condenação por apropriação indevida.

“Seria, todavia, uma ofensa recusá-la, disse Fouquet, mas, a quantia seria bem advinda,  se os quarenta milhões fossem reunidos ao tesouro do reino, porque nessas coisas de finanças, o Tesouro do Estado é sempre carente de todas as necessidades”.

Nesse contexto de necessidade, do Tesouro, em terra pátria brasileira, e só para lembrar, por parecido, no Governo Itamar Franco, usando o prestígio de seu Ministro da Saúde, o Acreano e Paulista, Adib Jatene, foi aprovada a CPMF, um imposto travestido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, cujos recursos, ditos contribuídos e nunca garfados, iriam “patrioticamente” para a Saúde.

Por prestígio de Jatene o dinheiro entrou, foi para o Ministério da Fazenda, o Ministro era Fernando Henrique Cardoso, que depois virou Presidente por oito anos, e o numerário, por ordinário, terminou sumindo no Caixa do Governo, perdulariamente, com a Saúde restando mais carente ainda com o pouco repartido.

No caso do Rei, este agradeceu a bondade do Cardeal Mazzarino, rasgando em pedacinhos a doação testamentária do Cardeal, o que foi um alivio para o Prelado, afinal bem cumprira a penitência estabelecida pelo Frade Théatino Caraffa, morrendo feliz por sua família não restar empobrecida, e o Criador bem poderia recebê-lo no Seu seio.

Quanto a carta doação do Cardeal, esta fora ora uma ousadia de seu auxiliar, Jean-Baptiste Colbert, que bem previra que o Rei assim agiria e todos restariam satisfeitos.

E, conta Dumas, a satisfação foi tamanha, que o Cardeal “in extremis”, quis dizer um último recado no ouvido do rei.

– “Quero lhe dar um conselho, sim, um conselho, – balbuciou o Cardeal –  um conselho mais precioso que os quarenta milhões”. Recado que ninguém ouviu mas o Rei bem o recebeu e cumpriu.

Quanto ao Rei, este voltou às suas meditações, sentindo a falta dos quarenta milhões de libras devolvido.

Voltara à mesma Majestade, com seus ofícios e vantagens, meditando o último conselho de seu Cardeal Primeiro Ministro.

É quando recebe a visita oportuna de Jean-Baptiste Colbert, trazendo-lhe uma notícia que iria mudar para sempre o poder e mando do Rei Luís XIV.

Colbert disse ao Rei que em sendo figura de alta confiança do falecido Cardeal, estava ali para cumprir um seu desejo último, qual seja o de passar às mãos de Sua Majestade, um tesouro, não dos quarenta milhões de libras perdidos, mas de outros treze milhões de libras, de sua fortuna, dele Colbert, pessoal, que estavam num castelo de sua posse, montante de sua herança recebida como fiel servidor e conhecedor depositário de todos os segredos e fortunas do Cardeal, dinheiro que imediatamente passou aos cofres pessoais do Rei, sem testemunha, nem recibo.

De repente, conta Dumas, em O Visconde de Bragelonne, o Rei Luís XIV, viu-se bem poderoso e assentado no trono.

Podia agora bem cumprir o conselho final do Cardeal Mazzarino, dito num balbucio tosco de sete palavras no ouvido do Rei.

Sete palavras apenas, restadas no burburinho, enquanto grande segredo de grande fofoca da corte.

Que tivera dito o Cardeal Primeiro-Ministro ao Rei, com sete palavras apenas?

Era um conselho apenas, que o Rei governasse por ele mesmo, cercado de um pequeno conselho: “Sire, ne prenez jamais de premier ministre!” (Senhor, nunca aceite jamais um Primeiro Ministro!)

E assim de posse das 13 milhões de libras em moedas de ouro, o Rei Luís XIV, recebeu os seus Ministros, todos querendo ser escolhidos como novo Primeiro-Ministro na vaga do falecido Cardeal Jules Mazzarino, a todos despedindo: “Senhores, disse ele, enquanto o Sr. Cardeal viveu, eu o deixei governar os meus negócios; mas agora pretendo governá-los eu mesmo. Vocês darão suas opiniões quando eu lhes perguntar. Podem se retirar”.

Do que eu quero falar, direi apenas que Alexandre Dumas colocou como pausa o que pretendo encerrar e concluir, com o Rei Luís XIV contemplando a debandada dos seus ministros que partiram felizes, afinal iriam viver melhor nos seus quefazeres, contando as memórias que melhor lhes aprouvessem, sem perceberem que nascia ali um Sol nascente que a si mesmo refletia: “Com 13 milhões em ouro nos meus cofres pessoais, Jean-Baptiste Colbert tomando conta da minha bolsa, falta-me apenas um braço, uma espada para bem governar”.

Essa espada, segundo o Visconde de Bragelonne, foi a de D’Artagnan e seus Três Mosqueteiros, isso porém, só os três livros da saga, bem merecem discorrer.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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