A prática da teoria

São tantas questões e polêmicas que surgiram ao longo dos últimos dias, que fica até difícil escrever semanalmente sobre alguma delas. Porém, é importante a gente pensar sobre uma questão social que é bem problemática. Eu sei que eu repito muito e falo muito sobre isso aqui, que é a questão do racismo, mas a gente precisa continuar dialogando sobre ele e eu vou dizer os motivos.

Ouvi recentemente de uma pessoa que ficar dialogando sobre o racismo, sobre o machismo, sobre a homofobia faz com que essas discriminações e esses crimes se perpetuem cada vez mais. Eu penso diferente. Quando a gente silencia, a gente camufla o problema, a gente não enfrenta a questão e as violências seguem acontecendo.

Se a gente se cala, os crimes irão crescer cada vez mais, pois as pessoas que os cometem não vão se sentir mais constrangidas. Afinal, não vai ter quem fale ou reclame sobre isso, não vai ter quem aponte o dedo e recrimine. Porque a grande questão é que, quando os crimes são descobertos, as pessoas, algumas, não todas, ou são punidas, ou repensam e mudam o comportamento. Talvez, muitas não mudem nos seus ambientes e bolhas privadas, mas no espaço público, vão repensar a forma como falam e como agem.

Por isso é importante que a gente discuta e siga falando sobre o assunto, precisamos desconsiderar a versão rasa de que tudo é mimimi e tentar compreender as nuances que são atravessadas pelo racismo. E em se tratando de racismo e de classismo, nós temos uma situação interessante que reflete muito do que acontece em nossa sociedade, que é a situação do rapaz de 21 anos, participante de um reality show, o Big Brother Brasil, Davi, motorista de aplicativo, um homem preto de periferia baiana, ou seja, preto, nordestino, e que tem sido alvo de suspeitas e acusações.

Algumas pessoas na internet falam que ele está sendo protegido, que agora basta a pessoa ser de uma minoria para conquistar alguma coisa, e eu fico me perguntando, onde essas pessoas estavam esse tempo inteiro? Eu acredito que do alto e no conforto dos seus privilégios, muita gente não conseguem compreender a importância de ver pessoas pretas, jovens ou não, não sendo subservientes. Por que um preto em posição de discordância é uma ameaça?

A nossa sociedade abomina as pessoas que discordam, sobretudo as pretas, que ao discordar em um grupo privilegiado, são imediatamente taxadas de arrogantes, soberbas ou não comprometidas. É tão difícil assim a sociedade compreender que existem pontos de vista diferentes e que você, no topo do seu privilégio, não pode ditar aquilo que é certo ou não a outra pessoa? Será que é tão difícil a gente descer um pouquinho do pedestal e começar a pensar que existem outros mundos além dos nossos?

Eu pergunto a vocês, como, independente da leitura e do letramento racial, que as pessoas, sobretudo as brancas, que se intitulam antirracistas, que afirmam promover o letramento racial, na prática, tratam as pessoas pretas? Eu estou falando de tratamento sem justificativas, sem as nuances dos “favores”, das “oportunidades” que estão promovendo como se fossem verdadeiras salvadoras do movimento.

Seja no ambiente de trabalho ou em templos religiosos, não importa quais, como as pessoas pretas que não têm destaque na sociedade, que não são pessoas famosas, que não são pessoas que ocupam cargos de poder, estão sendo tratadas, quando a sua utilidade é apenas servir? Vamos começar a pensar sobre isso?

Quero destacar que não estou falando que é para a gente fazer um paredão e começar a atirar pedra em quem erra. A política do cancelamento é muito perigosa porque todo mundo é passível de ser cancelado. Todo mundo comete erros ou já cometeu. Afinal, a desconstrução é um movimento constante. E o aprendizado também. Porém, as pessoas que se dizem letradas e os espaços que se dizem de resistência e de chão preto têm por obrigação ter uma conduta de fato antirracista.

Vale lembrar que o Antirracismo é muito mais sobre prática do que sobre discurso. Questione-se se em ambientes letrados ou não, se há uma exploração indevida, se há algum tipo de ameaça sutil, se há algum tipo de violência psicológica, a exemplo do próprio BBB, onde tratar alguém com indiferença, suspeita, inferiorização, ou como se as necessidades dela e as coisas dela não fossem passíveis de preocupação é também uma violência. Por isso, digo e repito, nós, aliadas e aliados da luta antirracista, estamos combatendo ou corroborando para que o racismo seja extinto ou perpetuado nos espaços?

Pensem nisso.

Axé!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais