Agora que as eleições acabaram, ou estão a terminar, vê-se que tudo está mudando para permanecer igual.
Seria a simples repetição da célebre frase motivadora de “Il Gattopardo” (o Leopardo), notável obra de Dom Giuseppe Tomasi, Duque de Parma e Príncipe de Lampedusa, refletindo os momentos em que o autor analisava os feitos revolucionários acontecidos entre 1860 e 1910 na sua Sicília, onde hordas barulhentas de camisas vermelhas conduzidas por Giuseppe Garibaldi ensaiavam o que deveria ser uma “revolução”, enquanto ressurgimento de uma Grande Itália Unificada?
Pelo que se sabia, revolução só havia aquela dos astros, com os planetas e corpos celestes realizando movimentos cíclicos, ditos revolucionários, por previsíveis, continuados e repetíveis, com o leitor de “Il Gattopardo” constatando que tudo mudava, evoluindo e involuindo, num eterno retorno sem mudança.
Dir-se-ia, segundo constatação filosófica de Friedrich Nietzsche, que num sistema finito ao longo de um tempo infinito, todo evento potencialmente acontecido já deve ter ocorrido infinitas vezes, e possivelmente se repetirá no porvir, sujeito ao eterno retorno da mesma coisa, sem mudanças.
Todavia, naquele movimento político ao qual os Historiadores batizaram de “Risorgimento italiano”, a península em forma de bota, cenário de “Il Gattopardo”, restara igual, botina que era então dividida, fragmentada em um Reino Sardo-Piemontês ao norte e à Oeste, tendo Milão e Turim, como cidades mais destacadas, os Estados Papais ou Pontifícios, centrados em Roma; alguns resquícios ducais na Toscana, em Parma e Módena, com destaque para Florença; com Veneza, ao Norte ainda sob posse e mando do Império Austro-húngaro, e ao sul com um outro reinado, bem mais decadente; o dos Burbons Espanhóis, nas Duas Sicílias, onde o personagem tema, Dom Salina, refletia a sua nobreza em descaimento progressivo, contemplando de sua própria vidraça a turba garibaldina assaz ruidosa e danosa, querendo ocupar o seu lugar para implantar aquilo que imaginava como o novo, na História: “Éramos os Leopardos, os Leões; aqueles que nos substituirão serão os chacais, as hienas; e todos nós, leopardos, chacais e ovelhas, continuaremos a acreditar que somos o sal da terra”.
Uma reflexão que era de tal modo irreversível, por revolucionária no sentido astronômico, que o velho nobre se espanta ao ver seu sobrinho, Tancredi, se enfronhar junto àquela horda de revolucionários barulhentos querendo mudar o mundo…
“Se não estivermos lá – disse Tancredi a seu tio apreensivo – eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude!”
A frase se revelou notável porque tudo continuou na mesma com uma mulher, Giorgia Meloni, hoje Primeira-Ministra, junto com “tutti Fratelli d’Itália”!
Já aqui no Brasil, sem possuirmos qualquer união fraterna e a despeito de ampla campanha pregando “união e reconstrução”, permanecemos fragmentados entre “bolsonaristas”, execrados como “golpistas”, e cada vez mais próximos do gosto popular, enquanto são muitos os “lulo-petistas” envergonhados, que estão sendo escorçados das urnas, a suscitar muitas vaias acarinhadas
E nesse amplo acariciar, dizem os apressados que o momento é da “direita”, já que a “esquerda” vem restando lazarenta e sarnenta, sem esperança de milagre.
Uma heresia, cada vez mais morfética, afinal entre os poucos resistentes há quem prefira um mal já conhecido a um bem não degustado.
Nada disso, todavia, é verdade, porque tudo muda e nada muda, mesmo quando se pensa que as revoluções tudo podem resolver.
Resolver, jamais! Mas as revoluções podem tudo revolver, convulsionar, produzir uma dissolução aparente, algo que contraria o estado comum de repouso e/ou estagnação, igual a uma solução de argila que, por simples agitação, aparentemente é homogeneizada, ou como um remédio ao qual se recomenda que se agite bastante antas do uso, as fases se decantando, com o líquido no final, sobrenadante.
Sem falar que entre as classes convulsionadas em ascensão, é comum a prática das próprias ladroeiras, no convencimento de que se está a exercer um bom direito, um preceito divino de oportunidade, aquela de lamber os próprios dedos e beiços tão comuns aos gestores de mel.
Se não é tanto assim, em sofreguidão extremosa, é famosa a cantilena de conjugar carpição com a mamata perdida, com a perseguição denunciada, contra a mudança pretendida.
É nesse contexto que o gracejo esperto de Tancredi se renova: “É preciso que tudo mude para permanecer sem mudança” – sobrando por contamino, a cada revolução, ou a cada eleição vencida, como um germe de doença já endêmica e sem vacina, e sem qualquer quina ou cloroquina, por uma safada verve: fescenina!
Nesse sentido a imprensa bem exaltou a grande glória exaltada pelos Sindicatos Municipais que já impuseram um estribo nas ancas dos Prefeitos Eleitos, um cabresto nas suas simancas, uma rabichola com sela nos seus respectivos lombos e uma brida nas suas fuças; e na daqueles que ainda estão em prévias de vitória.
Não disse a impropéria notícia, que muitos Prefeitos eleitos assinaram uma carta compromisso com os Servidores Municipais de Sergipe, pactuada com a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT), com a Federação dos Servidores Públicos Municipais do Estado de Sergipe (Fetam/SE), e com a Central Única dos Trabalhadores de Sergipe (CUT/SE), justo esses órgãos que se assanham como verdadeira coisa pública em mais valia na Respública brasileira?
Uma carta, que segundo o noticiado com muito brio e aprovação, fora parto de um processo que envolveu assembleias plenárias e reuniões realizadas pelos Sindicatos Municipais entre os meses de agosto e setembro passados, quando, servidores municipais tiveram a oportunidade de sabatinar os candidatos a prefeito e discutir diretamente as suas pautas.
Segundo a mesma notícia cerca de dezessete prefeitos eleitos já se comprometeram com os Sindicatos Municipais, aprovando uma carta compromisso previamente elaborada com o objetivo de refletir as demandas e expectativas da categoria, estabelecendo diretrizes para a valorização e melhoria das condições de trabalho dos servidores públicos municipais.
Entre os principais pontos do documento reivindicatório estão a realização de concursos públicos, a implantação ou atualização do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV), a revisão do Estatuto dos Servidores e a recomposição salarial.
Ou seja: antes dos Prefeitos saberem se realmente estão de fato eleitos; antes de receberem o diploma conferido pelo Tribunal Regional Eleitoral; e antes de serem empossados mediante juramento nas respectivas Câmaras Municipais de Vereadores, os Senhores Alcaides Eleitos já estão devidamente compromissados e juramentados com o que existe de “melhor” no Serviço Público, o seu Sindicato, onde tudo funciona muito bem: a Saúde, a Educação, a Zeladoria e até a Insegurança crescente.
Seriam tais compromissos algum antídoto contra eventuais salvo-condutos visando demandas de estabilidades funcionais não previstas em lei? Uma proteção tácita ao malfadado compadrio, do qual tanto a companheirada se refestela?
Nesse contexto, por que somos obrigados a votar?