O noticiário vem denunciando o recente cancelamento dos programas assistenciais da USAID, Agência dos Estados Unidos da America para o Desenvolvimento Internacional decretado pelo Presidente Donald Trump e seu Ministro Elon Musk.
A relação de amor e ódio do Brasil com os Estados Unidos sempre teve a USAID como pomo de desconfiança e discórdia, mesmo porque isso era tema xenófobo da nossa ampla esquerda, sobretudo em tempos de Guerra Fria.
Nos anos 1960, a exemplo do Plano Marshal de reconstrução da Europa no pós-guerra, a administração John Kennedy criou a USAID, e junto com ela o grande projeto nomeado “Aliança para o Progresso” entre os Estados Unidos e as Nações Latino-americanas.
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Nesse tempo, eu quase uma criança, tomei conhecimento das variadas reações antiamericanas, com muita gente demonizando o Capital vindo dali.
Era um tempo em que a Cuba de Fidel Castro posava de ideal paraíso in pátria nostra, com o Presidente Jânio Quadros condecorando o revolucionário Ernesto Che Guevara.
Vendo tais entreveres acontecerem, relembro-me agora viajando a Salvador para um encontro de Escoteiros num evento que nada tinha a ver com política internacional, mas que enseja alguma reflexão a destacar,
Possivelmente, isso aconteceu em 1962 ou no ano seguinte, quando eu era um pré-adolescente, um menino!.
Foi a minha primeira viagem de trem, de Aracaju a Salvador da Bahia, numa caravana de Escoteiros comandada pelo Chefe Walter João Dantas, de saudosa memória.
O nosso Grupo Escoteiro tinha o Ensaísta Jackson de Figueiredo como patrono, talvez porque muitos dos componentes fossem meus colegas, todos alunos do Ginásio de mesmo nome, dirigido pelo casal de educadores Benedito e Judite Oliveira, de saudosa memória também, por nomes destacados na Educação em Sergipe.
Da viagem de trem, lembro que saía da Estação Ferroviária localizada na Praça dos Expedicionários pela madrugada, cinco ou seis horas da manhã e chegava ao seu destino na Estação de Calçada em Salvador, perto das oito horas da noite.
Nas minhas recordações, o trem era movido a Óleo Diesel, diferente daquele “Maria Fumaça”, queimando lenha e deixando um rastro de fuligem, desenho que eu me acostumara tanto a ver nas minhas férias escolares, com os vagões cruzando as terras da Fazenda Catete Novo, no Município de Rosário do Catete, então pertencentes aos meus Tios, Herberto e Miriam Melo.
Da viagem à Bahia, lembro que o comboio ia pingando de estação em estação, a primeira parada em São Cristóvão, seguindo para Salgado, Estância, Umbaúba, uma serie de cidades de Sergipe, e depois ingressando na Bahia, por Esplanada, Entre Rios, Alagoinhas, a melhor parada, onde o trem se demorava mais, porque o comércio ao redor da Estação era alegre e muito movimentado.
A partir de Alagoinhas, a locomotiva ficava mais rápida, agora em via eletrificada, uma novidade então notável, e hoje tudo está enferrujado e abandonado, com o Brasil crescendo igual a “rabo de égua”, sempre para baixo, não sendo encontrado para pesquisa, nem mesmo via Google e/ou YouTube, estas maravilhas da modernidade estrangeira, qualquer tranqueira contendo um mapa antigo deste roteiro que resiste na minha memória quase senil.
Todavia, nesta senilidade ainda não vinda e pouco achegada, lembro que o cantar das rodas do trem nos parecia dizer: “Café com pão, manteiga não!”, verso que em horas noturnas retinia melhor em orações: “Vou com Deus, Nossa Senhora!”, repetidamente e sem fim, aumentando ou diminuindo o ritmo com a velocidade ultrapassando os dormentes da férrea linha.
Dos vagões de passageiros, relembro os bancos duros de madeira, cujos encostos podiam ser virados para aqueles que preferissem viajar de frente ou de costas, permitindo até mesmo que os viajores fizessem salas para conversas ou jogassem cartas, uns frente aos outros.
Relembro até mesmo das cusparadas que se recebia via janela, porque era comum os passageiros dos vagões localizados à frente, escarrarem aos que lhes vinham atras, deixando que a velocidade do trem desviasse do cuspe a trajetória, algo que os marinheiros de primeira viagem logo aprendiam e evitavam, contemplar a paisagem sem se prevenir.
Após doze a catorze horas de viagem, chegamos à Estação de Calçada em Salvador, onde a grande novidade era um mingau vendido por baianas portando grandes caldeirões com seus trajes brancos, destacando-lhes a tez em muito alvas dentaduras.
Da estação de Calçada, a tropa Escoteira foi transportada para o local do alojamento no Bairro de Ondina, num Parque de Exposição Agropecuária, salvo engano, análogo ao nosso Parque João Cleofas, onde foram armadas as barracas num amplo arruado de acampamento, e os demais como nós, sendo acantonados sob as marquises da Arquibancada do Parque de Exposição.
A reunião de escoteiros tinha o nome de Ajuri, que eu imaginava como sendo Ajuree, grafado com duplo e, inspirado em Jamboree, palavra escoteira designativa de amplo acampamento, por reunião, afinal o escotismo vinha da inspiração britânica de Lorde Baden Power, militar inglês campeador da Guerra contra os Bôeres, conflito colonialista em que combateram colonos Franceses e Holandeses e autóctones sul-africanos de um lado; os “demonizados” Bôeres, e os “mocinhos” do Exercito Inglês, querendo a duras penas manter suas Colônias na Região do Cabo na África do Sul, no Transvaal e no Orange, derradeiros esforços do que antes poetara Rudyard Kipling em “The White Man’s Burden” o conhecido poema narrativo da saga colonial e imperialista: “O Fardo do Homem Branco”.
Pesquisando o que seria o Ajuri, leio-o agora, tratar-se de uma palavra de origem tupi guarani que quer dizer reunião, o que vem a ser a mesma coisa do que eu pensava.
Em verdade, toda essa história que estou a contar, é porque vem dessa época o meu conhecimento da relação de amor e ódio do Brasil com os Estados Unidos da América, afinal nesse Ajuri de Ondina vi pela primeira vez um leite em pó de fabricação americana que fazia parte do nosso cardápio no café da manhã e no vespertino.
O leite em pó que nos serviam era acomodado em grandes caixas de papelão cinza com o dístico em letras garrafais:“Donated by people of the Uniteds States of Aomerica”, doado pelo povo dos Estados Unidos da América.
Nas minhas lembranças, o leite foi consumido sem qualquer protesto, embora o seu sabor fosse diferente do único leite em pó por mim até então conhecido: o gostoso Leite Ninho, fabricado pela Nestlé, uma multinacional que me parecia bondosa!
Anos depois, comecei a ouvir um amplo comentário contra a bondade dos Estados Unidos em continuas reclamações do Brasil ser continuamente explorado pelo “trust” americano.
Incutiam-nos em pregação muito forte por “nacionalista”, que o nosso Brasilzão, gigante enorme, sorumbático e adormecido, éramos grande celeiro explorado pelas empresas multinacionais.
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Relembro inclusive de uma peça musical encenada no Auditório do Atheneu em que até a musiquinha infantil “Se essa rua, essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, só pra ver, só pra ver meu bem passar”, era cantada em novo texto, assaz jocoso e preconceituoso contra o capital explorador americano.
A nova versão era algo parecido assim: “Nessa rua, nessa rua tem um Posto que se chama que se chama Posto Esso, se esse posto, esse posto fosse nosso…”, letra que se perdeu nas minhas lembranças, mas consistia de algo que denunciava o caráter nocivo e explorador da Esso, produtora do famoso Repórter Esso, talvez ensejando que a gasolina, produzida pela nossa estatal Petrobras era pior garfada e não barateada por conta de multinacionais tipo, Exxon, Mobil, Texaco, etecetera..
Tempos depois, nos idos “pré-revolucionários de 1964”, justo quando eu ingressara no Curso Colegial Científico do Atheneu, o Brasil estava a viver grande agitação política com o Governo João Goulart, agora sem as mordaças do Parlamentarismo, querendo promover amplas reformas do país, atacando sobretudo a distribuição fundiária e o capital estrangeiro.
Um pouco antes, ainda em tempos parlamentaristas, relembro de uma greve salarial dos bancários do Banco do Nordeste que ficou vários dias fechado embandeirado com muitas faixas, uma me ficando na memória pelo texto: “Tancredo trancou-se e o Banco do Nordeste continuará trancado”.
Um testemunho tranqueira de longa data, mostrando que o grevismo nas empresas públicas resistia até a um Primeiro Ministro como Tancredo Neves, justo aquele que se configurou mais tarde como espírito-mor republicano em terra brasílicas.
Quando o Parlamentarismo foi embora, após 502 dias e três primeiros-ministro; Tancredo Neves, Brochado da Rochae Hermes Lima, sem deixar saudades nem ao menos conseguir preencher uma galeria de retratos; eis que o Presidente João Goulart uma vez recuperando os poderes Presidencialistas iniciou, como eu disse, uma grande campanha pelas Reformas que o Brasil carecia para o seu desenvolvimento.
Um pouco antes, mas nos idos ainda de 1963, eis que me vejo no Velho Atheneu, então Colégio Estadual de Sergipe, o maior Colégio Público do Estado, envolvido em plena agitação estudantil, entrando em greve e fazendo piquete, (que loucura!), contra o aumento das mensalidades escolares dos Colégios Particulares.
Falo por loucura em verdadeira insanidade por juvenil, porque me vejo estudante de escola pública e sem pagar anuidade, misturado como manada no meio da estudantada do Atheneu em passeata, realizando piquete de paralização das aulas nos Colégios Particulares de então: O Salesiano, O Arquidiocesano, O Jackson de Figueiredo e O Salvador.
Neste último, O Colégio do Salvador, os pais dos alunos, alguns armados inclusive, estavam no interior do Colégioquerendo resistir a uma possível invasão, não ocorrendo um conflito maior porque o Governador em Exercício, Dr Celso de Carvalho, homem pacífico e suasório, decretou feriado estudantil, acabando a greve, com a estudantada restando feliz pensando apenas nos seus melhores folguedos.
Destes fatos estudantis acontecidos, relembro de uma reunião com muitos discursos no Auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe quando aquela estudantada estava indócil contra o ensino privado, querendo fazer história.
Foi ali naquele auditório e sob o olhar dos grandes retratos de Dom José Thomas da Silva, Getúlio Vargas, Maynard Gomes e Eronildes de Carvalho, em óleo de Florival Santos, salvo engano, que eu me vi um peixe fora d’água, porque junto aos nossos lideres gremistas estavam alguns adultos, todos desconhecidos nossos, então líderes operários e/ou sindicais, a nos louvar e açular, enquanto juventude tola querendo reformar o mundo como o “Futuro do Brasil Socialista de Amanhã”.
E eu, que sempre desconfiara dos elogios vazios, vendo enviesado tal pertencimento muito além dos meus limites como o “Futuro do Brasil”, nunca me sentiria tão pior esvaziado, em sendo agora ajuntado como rede na tarrafa e por vis engodos baiacus, ao “O Futuro do Brasil Socialista de Amanhã”.
– Socialista!? O que era aquilo que eu não sabia?
Logo eu saberia que seria “Alienado”, nunca porém, um Socialista, manietado!
Aquele não era eu, nem o seria.
E o tempo me diria, que eu não iria sofrer muitas daquelas agruras que outros contemporâneos, por suas escolhas, padeceriam.
Porque depois o regime autoritário militar se fez vitorioso com amplo apoio popular, um assunto que faz parte da irreversibilidade histórica, cuja versão cada um a tem, pior ou melhor, alguns querendo inserir universalmente um caldeirão de imensos culpados e/ou coniventes!
Voltando porém à USAID, tema inicial em tantas memórias, direi que: com o inicio do regime autoritário militar, a USAID restou bem-vinda, oferecendo ajuda educacional e assinando várias convênios com o Estado de Sergipe, inclusive, sendo construídos e reformados alguns colégios como o Colégio John Kennedy, hoje um “Centro de Excelência”, assim batizado, em nova versão.
Em tempos mais difíceis depois, e já na época da fundação da nossa Universidade Federal de Sergipe, o pais se colocou contra a “Malfadada Reforma Suplicy”, que extinguiu o regime de autarquia das Universidades Federais, transformando-as em Fundações, inclusive sendo instituído o Sistema de Créditos no lugar do Sistema Seriado de Ensino, sendo extintas as Faculdades e Congregações, e instituídos os Institutos, os Departamentos e os Colegiados de Curso.
Tal reforma virou grande cavalo de batalha por “americanizar a formação profissional em nível superior”, tudo aquilo que mais adiante serviu de grande “massificação do ensino”, com a criação de muitos cursos e Universidades, como a de Sergipe, que quase não nascia em guerra fratricida por Autarquia X Fundação, inclusive em tempos outros do Ministro Jarbas Passarinho.
O Ministro Passarinho sendo aqui lembrado porque chegaram os tempos plúmbeos do AI-5 e do Decreto Lei 477, paridos em 1968, o “Ano que não acabou”, segundo ensaio memorial de Zuenir Ventura, naquele ano trevoso em que a sociedade vivia agitada com o surgimento de nascentes conflitos guerrilheiros desafiando o Regime Militar com muitos atentados e assaltos a banco e com o sequestro de embaixadores de nações amigas, e com a estudantada se rebelando com a invasão do Restaurante Calabouço, a “passeata dos cem mil”, o Congresso da UNE de Ibiúna, tudo aquilo que só fez recrudescer a repressão, com muita gente sofrendo em demasia.
Um sofrimento, que por ironia ampla e pior felonia, era cantada com o “Prá frente, Brasil, Salve a Seleção!”, enquanto nossa melhor marchinha, com o Brasil Tricampeão de Futebol, ao lado do Melô ufanista; “Este é um país que vai pra frente”, e o indefectível dístico adornando muitos automóveis: “Brasil, ame-o ou deixe-o!
Ou seja, poucos davam bolas com quem estava aqui ou ali sofrendo, e eram muitos, gemendo no pau do canto…
Tudo igual por semelhança aos “subversivos de ontem” e os atuais “Golpistas de oito de Janeiro”, sendo-lhes negados, a ambos, qualquer perdão e anistia.
Mas, por quê conceder-lhes anistia se não sequestraram nem mataram ou roubaram, e só tiveram a ousadia de perturbar os vetustos Palácios dos Três Poderes em Brasilia, com uma manicure sujando uma estátua com batom, e um capiau, murmuram, ali sem confirmar nem provar, um mal-educado defecando, justo na mesa, pertencente pelo que dizem, a um valente príncipe da nossa República, em comentário excluído dos autos processuais por indesejável, até mesmo por cheirar pior se na surdina for relatado, e que sem sustentação assim restou, nem mesmo identificação requerer, via DNA também, vai que mal podia ensejar sorrisos amplos em cascata, por novos exemplos oferecidos, um perigo frente ao “golpismo” denunciado por pretendido, em penas exorbitantemente prolatadas…
Mas, por que falar de um eventual cocô, real ou imaginado, expungido em tantos malfeitos, se a fedentina só iria aumentar nos discursos pronunciados?
Se do “golpe do oito de Janeiro”, não se pode fruir nem um ameno sorriso sardônico, que lhes seja amenizada a seus autores, pelo menos a punição.
Neste particular somo-me aos esforços da necessária anistia visando a pacificação do país. Não foram desordeiros apenas, se já aprenderam a lição para não repetir tanta defecação?
Quanto à USAID, antes satanizada pela esquerda, em tempos recentes e conjunturais, leio no noticiário que vinha cevando a esquerda como novo bacorinho na engorda.
Pelo menos é assim que o Ellon Musk denuncia, fechando a USAID e seus programas de ajudas humanitárias, sempre uma relação amor e ódio antiamericano, um gasto de dinheiro, tido imoderado pelo novo “efeito laranja” de Trump, sangrando inutilmente a economia americana.
Se isso é bom ou mal eu não sei, mas do que vi é contemplei, melhor é o Brasil cuidar de si, sem mendigar qualquer ajuda de outras AIDS ou USAIDs.