
O Ministério Público de Contas do Estado de Sergipe (MPC-SE) ofereceu representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) contra o ex-prefeito de Nossa Senhora do Socorro, Inaldo Luís da Silva, por graves irregularidades na movimentação de R$ 105 milhões provenientes da outorga dos serviços de saneamento básico. A denúncia aponta violações à Lei Complementar Estadual 398/2023, que determina destinação específica para esses recursos.
Segundo a apuração do MP de Contas, a Controladoria do Município identificou que, dos R$ 105 milhões recebidos, foram efetivamente gastos R$ 56,273 milhões somente no período entre 24 e 31 de dezembro de 2024, evidenciando o consumo de mais da metade dos recursos em apenas sete dias. A análise dos extratos bancários revelou que esse montante foi aplicado tanto em despesas correntes quanto em despesas de capital, caracterizando procedimento incompatível com a natureza e magnitude dos recursos destinados a investimentos estruturantes.
Os valores, recebidos em 24 de dezembro de 2024 como primeira parcela do contrato de concessão da prestação regionalizada dos serviços de água e esgotamento sanitário, deveriam ser aplicados exclusivamente em investimentos de infraestrutura, projetos ambientalmente sustentáveis ou pagamento de precatórios transitados em julgado. A legislação veda expressamente o uso desses recursos para pagamento de despesas correntes.
A análise técnica do órgão ministerial, baseada na documentação oficial enviada pelo município, revelou que o ex-gestor transferiu a integralidade dos recursos da conta específica onde foram depositados para a conta de arrecadação geral do município, contrariando frontalmente as orientações da Nota Técnica 01/2024 do Tribunal de Contas do Estado e da Recomendação Conjunta 001/2024 dos Ministérios Públicos Estadual e de Contas.
As transferências ocorreram em duas operações consecutivas: R$ 82,761 milhões em 26 de dezembro e R$ 22,242 milhões em 27 de dezembro de 2024. A movimentação para conta vinculada à arrecadação ordinária impossibilitou a adequada rastreabilidade dos recursos e dificultou sobremaneira a verificação de sua conformidade com as finalidades legais estabelecidas.
A partir da conta de arrecadação, os recursos foram novamente dispersos para múltiplas contas bancárias municipais, incluindo fundos especiais, secretarias setoriais e outras destinações. Essa pulverização comprometeu definitivamente o controle específico dos recursos da outorga, misturando-os com receitas ordinárias do município.
Aplicação dos recursos
A análise dos extratos bancários e processos de pagamento revelou aplicação dos recursos em despesas correntes, especificamente no custeio de folhas de pagamento de servidores, incluindo salários, gratificações, auxílios diversos e contribuições previdenciárias.
Foram constatadas ainda despesas com fornecedores para custeio de atividades administrativas correntes, como tarifas bancárias, eventos diversos, serviços advocatícios, combustíveis e outras prestações de serviços incompatíveis com as finalidades estabelecidas na legislação estadual. Parte dos recursos foi destinada a contratos de obras firmados em exercícios anteriores, sem qualquer adequação ou apostilamento que vinculasse essas despesas aos objetivos específicos da outorga.
O MPC-SE identificou ainda a completa ausência dos instrumentos de controle exigidos pelas orientações técnicas. O município não elaborou o Plano de Aplicação dos recursos, documento fundamental que deveria conter objetivos específicos, metas a serem atingidas, cronograma físico-financeiro detalhado e indicadores de desempenho para monitoramento da execução.
Além disso, o MP de Contas também constatou que tampouco foi implementada aba específica no portal da transparência municipal para disponibilização de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira dos recursos da outorga, impossibilitando o acompanhamento pela sociedade e comprometendo os princípios da transparência ativa e do controle social.
Teor da representação
A representação destaca que as condutas do ex-gestor caracterizam violação direta ao artigo 10, parágrafo 10º, da Lei Complementar 176/2009, com redação dada pela Lei Complementar 398/2023, e possível configuração de ato de improbidade administrativa, por liberar verba pública sem observância das normas pertinentes, e eventual prática de crime de responsabilidade de prefeito, conforme previsto no Decreto-Lei 201/1967, por aplicar indevidamente rendas públicas.
Entre as medidas cautelares solicitadas ao Tribunal de Contas estão a determinação para que o atual gestor municipal se abstenha de realizar pagamentos com os recursos remanescentes em finalidades diversas das permitidas pela legislação, o retorno à conta específica dos valores indevidamente transferidos que ainda não tenham sido utilizados, e a apresentação, no prazo de 30 dias, de Plano de Aplicação contendo os requisitos estabelecidos na Recomendação Conjunta ministerial.
O órgão ministerial requereu também a implementação, no mesmo prazo, de aba específica no portal da transparência para disponibilização da execução orçamentária e financeira dos recursos da outorga, garantindo acesso público e compreensão adequada das informações por qualquer interessado.
No mérito, o Ministério Público de Contas solicita o julgamento irregular das contas do ex-gestor, a restituição dos valores aplicados incorretamente, aplicação de multa nos termos da legislação e comunicação ao Ministério Público Estadual para apuração no âmbito criminal e de improbidade administrativa.
A representação foi distribuída ao conselheiro competente da área de fiscalização correspondente ao município, conforme divisão estabelecida em ato deliberativo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Sendo admitida pelo Pleno do TCE, o ex-prefeito será citado para apresentar defesa no prazo regimental, iniciando-se o contraditório processual previsto na legislação.
Fonte: MP