Aracaju espantou-se na semana passada com o assalto mais espetacular dos seus 150 anos de vida oficial. Uma quadrilha supostamente interestadual roubou o penhor da Caixa Econômica Federal sem pisar os pés na agência bancária, sem disparar um tiro, sem agredir fisicamente ninguém e o infausto só chegou ao conhecimento policial depois que os bandidos já tinham arredado pé. Prejuízo duplo para os donos das jóias, que perderam objetos de valor sentimental e receberão indenizações inferiores ao que custariam no mercado. Prejuízo maior para os sergipanos, que tiveram a prova definitiva do quão inseguro é o Estado.
Assaltos ocorrem a toda hora e este que foi espetacular hoje apenas inaugura uma modalidade que daqui a pouco será rotineira. Crimes mais rumorosos aconteceram nesta outrora pacata capital, como os assassinatos dos deputados estaduais Joaldo Barbosa, por motivo torpe, no portão de sua casa, na Atalaia, em janeiro de 2003, e do udenista Antônio Torres, por vingança, na rua São Cristóvão, em dezembro de 1967. O crime mais famoso praticado na cidade, no entanto, foi o assassinato do médico e político Carlos Firpo, no dia 25 de maio de 1958. Foi morto com uma facada enquanto dormia, dentro de casa, na rua Campos.
“O impacto que provocou na sociedade foi superestimado sensacionalmente pela imprensa escrita e falada em proporções jamais vistas em Sergipe”, recorda o historiador Ibarê Dantas (Os Partidos Políticos em Sergipe: 1889-1964). “Embora hoje se acredite que o homicídio foi motivado por razões passionais, as explorações desenvolvidas em torno do caso em pleno ano eleitoral foram de tal ordem que nunca ficou inteiramente esclarecido, permanecendo como um exemplo daqueles tempos tumultuados do primeiro governo udenista” de Leandro Maynard Maciel.
Mau augúrio
Vinculado à UDN, diretor do Hospital Santa Isabel, Carlos Firpo era apontado como provável companheiro de chapa de Heribaldo Dantas Vieira, que pleiteava candidatar-se ao governo do Estado. Seu desejo de candidatar-se contrariava interesses do seu partido. Insinuou-se na época que o também prestigioso médico e então vice-governador José Machado de Souza teria relação com o assassinato, informação que foi prontamente rechaçada pelas demais autoridades estaduais, que chagaram a fazer uma manifestação de solidariedade e desagravo na porta de sua casa, na rua Pacatuba. Dr. Machado era amigo de Carlos Firpo.
Pires Wynne (História de Sergipe: 1930-1972) cita o caso de forma parcial, com o intuito de fazer a defesa do vice-governador, e transcreve um capítulo do livro Sergipe por um Óculo, do general José Lopes Bragança, que tampouco é imparcial e tenta tão-somente provar a inocência da viúva, Milena, e do então coronel da Aeronáutica Afonso Ferreira Lima. Ela é filha (consta que é viva em Salvador) do imigrante italiano Nicola Mandarino, sobre quem, uma década antes, havia se abatido outra desgraça em Aracaju, quando o acusaram — injustamente, pelo que se sabe — de colaborar com os alemães que bombardearam navios na costa de Sergipe. Teve a casa depredada e quase foi linchado.
“No vandalismo, que então se praticou, todo o enxoval de Milena foi perdido. Para quem fosse supersticioso, isso seria considerado mau augúrio para o casamento”, escreveu o general Bragança. O baiano Afonsinho, assim carinhosamente conhecido, era amigo e freqüentador da casa dos Firpo. Ele foi do Grupo de Aviação de Caça, era boa pinta e brilhante profissionalmente. Chegou a ser um dos oficiais aviadores da Presidência da República, no governo João Goulart. Foi caçado pelo Ato Institucional número 1, após o 31 de março de 1964, sendo transferido compulsoriamente para a reserva, já como brigadeiro. É falecido.
Noite do crime
Na noite do crime, a vítima estava só no seu quarto. Dona Milena dormia no quarto das duas filhas, Julieta e Maria da Graça, pois uma delas estaria doente. O sogro Nicola e a doméstica Gilena também estavam na casa. O fio do telefone havia sido cortado criminosamente. Após as investigações coordenadas pelo próprio governador, a polícia mandou prender dois indivíduos que tinham sido indiscretos em suas conversas perante um motorista de praça que os transportava para a cidade de Paulo Afonso, terra natal de Afonsinho.
Um dos detidos, o magarefe José Euclides Timóteo de Lima, que na noite do crime teria ficado de atalaia na esquina da rua Campos com Dom José Thomás, foi espancado até a morte num terreno baldio da Jabotiana, após finalmente ter incriminado Afonsinho. Foi torturado pelos policiais de vulgo Alemão, Zé Rosendo e Carniceiro, sob a “direção pessoal do secretário do Interior e Justiça. Dr. Heribaldo Dantas Vieira, atual senador por Sergipe, com a presença do atual deputado federal João de Seixas Dória, do secretário de Segurança dr. Antônio Machado e do dr. Humberto Napolioni Mandarino, cunhado do dr. Firpo”, segundo relatou o general Bragança, no seu livro editado em Belo Horizonte poucos anos depois do crime. “Apesar de terem conseguido essa confissão feita no estertor da morte, foi pedida a prisão preventiva para todos os que ocupavam a residência do Carlos Firpo no dia do seu assassinato, exceto suas filhas menores”.
“Injustiçada”
Dona Milena passou dois anos no reformatório penal, após fazer uma confissão que também teria sido forjada. Ela teria confessado um suposto romance com o coronel aviador. Afirmando depois que não disse o que constava no depoimento, foi absolvida em juízo. O clamor que criou contra ela também provocou piedade. O poeta Antônio Garcia Filho compôs uma música em sua homenagem, “Injustiçada”, que foi gravada por Alcides Gerardi.
O outro preso em Paulo Afonso, José Pereira dos Santos, o Pereirinha, acabou sendo condenado a 20 anos de reclusão como autor material do crime. Ele teria esfaqueado o médico Carlos Firpo. Mas o verdadeiro mandante, que supostamente teria sido Afonsinho, até hoje permanece sob mistério. Suspeita-se que um cunhado dele teria contratado os assassinos.