Coordenador de Pesquisas do Dieese fala sobre desdobramentos da crise

Francisco de Oliveira, coordenador nacional de pesquisas do Dieese
A crise financeira mundial tornou-se uma das questões mais recorrentes nas discussões acerca dos rumos da economia brasileira. Além disso, esta recessão passou a ser o principal argumento contrário as negociações sindicais, por conta da redução do consumo interno e externo e conseqüente, queda nos lucros por parte dos empresários e diminuição da arrecadação de impostos por parte dos governos.

Para tratar dos desdobramentos dessa crise para os movimentos sindicais, o coordenador nacional de Pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Francisco de Oliveira, participou da II Jornada Nacional de Debates na última quinta-feira, 26, em Aracaju e concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal Infonet. Confira os principais trechos.

 

Portal Infonet – Qual o contexto da crise que as economias mundiais estão enfrentando?

 

Francisco de Oliveira – A crise mundial é resultado de um estágio do capitalismo e da globalização tendo como foco principal a desregulamentação financeira. O processo foi iniciado com o estouro da bolha do mercado imobiliário americano, que desencadeou uma série de conseqüências negativas para as economias dos países. Dessa forma, todas as relações de comércio exterior ficaram prejudicadas. E embora a economia brasileira não tenha como se proteger frente à crise, ela pode se blindar.

 

Infonet – Esta blindagem passa pela interferência do Estado na economia?

 

FO – O Estado já vem voltando à cena no mundo inteiro. Todos os investimentos e aporte de recursos para a crise são do Estado. E no Brasil, isso não é diferente. O Estado é parte da solução para essa crise, deixando de ser problema e entrave para o mercado. Mas o movimento sindical ressalta que o Estado tem que ser seletivo nas suas desonerações, focando em investimentos com vistas ao emprego e a renda.

 

II Jornada de Debates aconteceu na sede do Sindiprev
Infonet – Quais as complicações da crise para a agenda pública do Governo?

 

FO – Os governos têm um problema de redução de receita e certamente vão ter uma disputa pelo investimento, porque a população exigirá que os investimentos continuem sendo feitos. Sendo assim, o Governo tem que começar a agir neste período de crise. Ir até onde pode dentro da lei de responsabilidade fiscal, sem reduzir o poder de compra dos servidores. Só assim a economia sairá da crise.

 

InfonetQuais os principais desdobramentos da crise para o Brasil?

 

FO – A crise é séria. Não se tem como prever sua duração, mas na situação atual, o Brasil, com o processo de crescimento recente pelo qual o país vinha passando baseado no consumo das famílias e com o Estado com reservas e com capacidade de investir, a economia tem condições de se mobilizar para se defender da crise, de uma forma muito melhor do que em outros momentos, podendo sair até mais cedo da recessão do que outros países. Retomar esse processo virtuoso de crescimento dos últimos tempos é o caminho que o Brasil precisa trilhar.

 

Francisco de Oliveira proferiu palestra sobre as “Negociações coletivas em um contexto de crise”
Infonet Que medidas de combate estão sendo tomadas?

 

FO – Disponibilização de crédito, investimento em setores que geram emprego, tentativa de fazer com que o crédito disponível estimule o consumo, manutenção do mercado interno e redução de algumas alíquotas para que certos setores não sejam afetados pela crise, diante da redução da demanda externa. Mas é preciso mexer estruturalmente em algumas questões no mercado de trabalho e na economia brasileira. É preciso mudar algumas medidas para que este esforço de enfrentamento do problema não vá à mesma direção de antes, onde a concentração e a acumulação de riqueza ficaram nas mãos de poucos.

 

InfonetComo o mercado de trabalho está se comportando diante dessa recessão?

 

FO – O mercado de trabalho começa a sofrer os efeitos negativos da crise, embora eles sejam diferenciados para regiões e empresas. Os trabalhadores precisam estar informados sobre o andamento do problema para que saibam enfrentar as próximas negociações coletivas.

 

InfonetComo a crise está atingindo o cidadão comum?

 

FO – Muitos trabalhadores estão perdendo emprego, já que a economia brasileira ainda tem pouca proteção social. Essa proteção precisa ser ampliada. Os brasileiros se defendem menos do que os trabalhadores de outros países que a crise já atingiu. No nosso país, tem menos gente com seguro desemprego do que em qualquer outro lugar do mundo. Aqui, quem não tem trabalho formal não tem acesso ao seguro desemprego. Além disso, o crédito está caro, o que impede que as pessoas continuem consumindo do mesmo jeito. Mas se há um recado a dar as pessoas é que não se endividem acima das suas possibilidades, mas que pensem que consumir é uma forma de defesa da crise.

 

Francisco de Oliveira explica efeitos das crise / Foto: Jorge Monteiro
InfonetE como o movimento sindical está atuando?

 

FO – Atuando em várias frentes. Essa crise, paradoxalmente, coloca de um lado a questão de como a sociedade vai se defender da recessão e de outro lado, cria o questionamento de como nós vamos crescer depois que sairmos dela. Colar o modelo de desenvolvimento anterior pode ser um não enfrentamento dessas questões estruturais do mercado de trabalho e da economia brasileira. Talvez a criatividade e a capacidade de pensar em soluções que são possíveis para o país seja um caminho para a resolução do problema. O crescimento recente da economia deve guiar os próximos passos do país. Nas questões das políticas públicas macroeconômicas, o Brasil está tendo a oportunidade de baixar os juros e entrar no rol dos países que possuem taxas civilizadas. O movimento sindical deve apontar para o patronato que não adianta fazer ajuste em nome de uma crise pintada do tamanho muito maior do que ela ainda é no Brasil.

 

InfonetQual a sua opinião sobre a realização de greves neste período de recessão?

 

FO – A greve funciona como elemento de defesa, pois há uma articulação de argumentos de que a crise é a culpada de tudo sem que se revelem as informações de uma forma que se justifique um procedimento mais conservador ou cauteloso. É preciso abrir as informações e ter ousadia e capacidade para enfrentar os conflitos. Cabe ao Estado fazer um casamento de interesses entre a população em geral, que demanda investimento e os trabalhadores que têm que manter seu poder de compra e avançar como parte do mercado de consumo brasileiro.  Então é preciso fazer essa harmonização. O Governo como ator democrático é capaz de fazer isso.

 

Por Valter Lima

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