Proposta de implantação do PAAF está no Conselho – Arivaldo Montalvão

A política de cotas sociais e étnico-raciais faz parte de um conjunto de políticas afirmativas que visam reduzir as desigualdades sociais e raciais existentes em nosso país. Muitos tentam esconder as nossas desigualdades raciais argumentando que o nosso problema é socioeconômico, ou seja, de classe e que vivemos em uma “democracia racial” onde brancos, negros e indígenas vivem de forma harmoniosa, servindo de exemplo para todo o mundo.

Entretanto, se analisarmos a formação da nossa sociedade veremos que, segundo Octavio Ianni (IANNI, Octavio e outros. O negro e o socialismo. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo-SP, 2005), uma das primeiras formas de nossa organização social foi baseada em duas “castas”: a casta dos senhores brancos e proprietários de terras e a dos escravos, subordinados física e socialmente aos seus senhores, ou seja, podemos observar uma dimensão étnico-racial nessa divisão, de um lado, os brancos e de outro, os negros. Ainda segundo Octavio Ianni (2005), por conta dessa nossa formação surgiu em nossa sociedade uma fábrica de preconceitos, principalmente raciais, que foram ao longo do tempo transformando-se em uma poderosa arma de dominação social.

Isto porque no Brasil, a origem das desigualdades vem daquele processo de escravização e quando houve a abolição (desde o dia 13 de maio de 1888 que se iniciou a luta pela igualdade racial e a justiça inclusiva no Brasil – 120 anos da luta pela igualdade racial no Brasil – Manifesto em defesa da justiça e constitucionalidade das cotas – 13/05/2008), o Estado Brasileiro, ao invés de incorporar o negro ao sistema de trabalho livre, incluindo-o ao novo mercado de trabalho, adotou uma política de “branqueamento”, através da imigração européia, deixando o negro à mercê da sorte (visite o site do IPEA, INEP e do IBGE). Basta dizer que em 30 anos (1880-1910) o processo imigratório resultou numa quantidade de imigrantes europeus igual à de escravizados trazidos da África (1550-1850) em 300 anos (FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo. Ática, 1978. 2 vol. 3ed. Apud : Documento da Comissão do Programa de Ações Afirmativas da UFS, março de 2008).

Visando minorar essa dicotomia social e étnico-racial, as universidades brasileiras implementaram um sistema de cotas. As primeiras universidades públicas brasileiras que o implementaram em seus vestibulares foram as universidades estaduais do Rio de Janeiro (UERJ), a Norte Fluminense (UENF) e a Estadual da Bahia (UNEB), sendo a Universidade de Brasília (UnB) a primeira universidade federal a implementar as cotas, isto em 2003. Atualmente, são mais de 60 instituições de ensino superior públicas que as adotaram. São cotas sociais e étnico-raciais, como forma de tentar diminuir a disparidade existente dentro das universidades, antecipando-se estas ao projeto de lei 3627/04, do governo federal, que institui sistema especial de reserva de vagas, em 50% para estudantes egressos de escolas públicas; dentro desse percentual são destinadas vagas a negros e indígenas, proporcionalmente ao seu percentual na população de cada estado, com o que concordamos. A maioria das propostas segue essa mesma orientação, em alguns casos com percentuais diferenciados, mas também há outros modelos, como o de acrescentar uma pontuação extra à nota final do candidato e como os que têm preocupações relativas às mulheres e aos portadores de necessidades especiais.

Na UFS, desde pelo menos 2003, alguns professores vêm fazendo algumas reflexões sobre essa questão, resultando numa pesquisa sobre políticas afirmativas e cotas na instituição. O Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB) da UFS vem discutindo também o seu papel nesse contexto. O Reitor da UFS institucionalizou, em 2007, através de portaria, uma comissão de criação do Programa de Ações Afirmativas, PAAF, composta por representantes dos centros, da ADUFS, do SINTUFS e do DCE, sendo coordenada pelo NEAB.

Essa comissão, depois de muita discussão sobre Ações Afirmativas, envolvendo experiências de outras instituições, palestras, mesas-redondas, oficinas, grupos de trabalhos, enfim, muitas reuniões, apresentou uma proposta de implantação do PAAF (vide Documento da Comissão do Programa de Ações Afirmativas da UFS, março de 2008), que já está no Conselho do Ensino, da Pesquisa e da Extensão (CONEPE).  Nessa proposta fica claro, através de levantamento de dados, que há muitas distorções no sistema educacional brasileiro que podem ser corrigidas por várias frentes, senão vejamos: mais de 80% dos estudantes do ensino médio de Sergipe, como do Brasil, são egressos de Escolas Públicas, mas menos de 40% ingressam na universidade, enquanto menos de 20% dos estudantes egressos da escola privada têm mais de 50% das vagas. Há cursos, na UFS, em que mais de 90% dos estudantes são egressos de escolas privadas, embora possa ocorrer também o inverso. Com o processo de expansão e a criação de novos cursos, especialmente noturnos, ou ainda com medidas como a de oferta de cursos em apenas um turno, a UFS tem mostrado a sua preocupação com a inclusão de vários segmentos sociais que antes tinham menos oportunidade de acesso e permanência na instituição até a conclusão de seus cursos. É preciso, de acordo com a mesma proposta, “que sejam reafirmados os compromissos e responsabilidades sociais de uma instituição pública na promoção de valores democráticos, de respeito à diferença e à diversidade, e na proclamação da defesa de sua autonomia institucional”, o que, sem dúvida, já vem sendo feito e será ampliado.

Enfim, o principal objetivo dessa política de cotas sociais e étnico-raciais é dar oportunidade a setores da população excluídos historicamente do acesso a determinados bens sociais para lhes proporcionar melhores chances de mobilidade social. Como sabemos, os filhos dos setores da sociedade mais abastados têm acesso a escolas privadas e cursinhos pré-vestibulares, e, portanto melhores condições de acesso às universidades públicas, ou seja, a tão propagada igualdade formal de todos perante a lei não foi ainda capaz de garantir à igualdade de condições no acesso à universidade pública. Como é do conhecimento de todos, existe cursos de prestígio social, que são os cursos que dão acesso às profissões de maior status social e ao poder econômico, político e cultural da nossa sociedade, talvez sendo por isso que as cotas sociais e étnico-raciais geram tantas manifestações contrárias às mesmas.

Autor: Arivaldo Montalvão, Professor da UFS e Pró-Reitor de Assuntos Estudantis.

Confira abaixo a opinião do coordenador do curso de História Antônio Bittemcourt:

Cotas ampliam a possibilidade de mobilidade social

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