20 anos da ‘Constituição cidadã’

A Constituição do Brasil, declarada por Ulysses Guimarães como “o documento da liberdade, da democracia e da justiça social”, faz 20 anos neste domingo. Se não é a Constituição perfeita, como previu o homem que presidiu a sua elaboração, certamente ela contribuiu para a democratização e a transformação social, política e econômica do Brasil pós-ditadura militar.

Fruto do que foi provavelmente o maior pacto político da história republicana brasileira, a Carta de 88 marcou a volta da democracia ao país. Por causa dela, inclusive, respira-se hoje o maior período de vida democrática que o Brasil já experimentou. Após 21 anos de regime militar (1964-1985) e a campanha das Diretas Já (1984), a nação clamava por uma nova Carta Magna que promovesse a transição para a democracia, com eleições diretas em todos os níveis.

Chamada de “Constituição Cidadã” pelo então presidente da Assembléia Constituinte, Ulysses Guimarães, ela inaugurou um novo arcabouço jurídico-constitucional, ampliando as liberdades civis e assegurando direitos e garantias fundamentais para o cidadão brasileiro, indispensáveis ao pleno exercício da cidadania. Portanto, é um marco do restabelecimento da democracia e da conquista dos direitos sociais.

Contestada por muitos, mas moderna, a Constituição determinou a criação do Código de Defesa do Consumidor, definiu a preservação do meio ambiente e antecipou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Determinou que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Também pensou na adaptação do espaço urbano aos portadores de deficiências e exigiu o empenho dos poderes públicos na erradicação do analfabetismo — que hoje ainda atinge 14 milhões de brasileiros, contra 30 milhões na época da promulgação.

A Constituição também foi responsável pela criação de um “quarto poder”, ao ampliar a atuação do Ministério Público, instituição essencial na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais.

 

MAS 20 ANOS DEPOIS DA PROMULGAÇÃO da Constituição, 66 dos 250 artigos da Carta ainda precisam de algum tipo de regulamentação, de acordo com levantamento realizado pela Câmara dos Deputados. Um dos artigos que ainda precisam ser regulamentados é o 18, no parágrafo quarto, que trata da criação de municípios.

A lei definiu que os estados só podem criar municípios baseados em uma lei complementar federal, que ainda não foi votada pelo Congresso Nacional. Por conta disso, 28 municípios brasileiros, com prefeitura e orçamento próprios, podem voltar a ser distritos. Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de 18 meses, que termina agora, em novembro, para a regulamentação da lei sob pena de extinguir oficialmente os municípios.

Outro exemplo é o artigo 37, no inciso 5º. A lei prevê que parte do preenchimento de cargos de confiança seja feita com servidores de carreira e que as normas estejam previstas em lei complementar, que ainda não existe. Por falta de regulamentação, o STF teve que proibir o nepotismo no serviço público.

O direito de greve também segue sem regulamentação. Também no artigo 37, o inciso 7º exige uma legislação específica sobre o assunto ainda não votada.

Outros itens pendentes de regulamentação mais importantes são os relacionados à reforma política, como a redefinição do sistema eleitoral e as regras de fidelidade partidária.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, afirmou em maio último que criaria uma comissão para analisar todos os artigos, incisos e parágrafos não regulamentados, mas a medida ainda não saiu do papel. 

Também por isso alguns defendem a convocação de um “Congresso revisor”, que poderia ser eleito em 2010 e, a partir de 2011, discutiria as mudanças ainda necessárias na Constituição.

 

A CONSTITUIÇÃO SOFREU 56 EMENDAS desde que nasceu em 1988. Para alguns especialistas, este é um “sinal de sucesso”, porque a Constituição precisa estar aberta para o futuro, para a possibilidade de ser atualizada. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe, Henri Clay Andrade, discorda, acha que a Carta já sofreu mutilação demais. “Isso é um absurdo”, protesta.

“Apesar de tudo, a nossa Constituição ainda é uma das mais avançadas do mundo. O problema crucial não está no texto e sim na sua correta interpretação e aplicação efetiva. Por isso é que ainda não vivemos plenamente em um Estado Democrático de Direito, porque este pressupõe exercício constante e consciente da cidadania e efetividade das normas constitucionais. Hoje, na prática, ainda vivemos em um Estado Liberal de Direito, em que há declarações de direitos, mas sem aplicabilidade eficiente”, afirma.

Henri Clay concorda que a Carta representa mais avanços do que retrocessos: “Os pontos culminantes da Constituição estão nas declarações de direitos e garantias fundamentais do cidadão elencadas no art. 5º, pois nos assegura todas as expressões de liberdade: consagra o princípio da igualdade entre homens e mulheres; assegura-nos o direito à intimidade e salvaguarda a defesa da nossa honra e da nossa dignidade; os direitos sociais insertos nos artigos 7º e 8º; o art. 37 que consagra o princípio da moralidade administrativa, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência; a previsão do sistema de freios e contrapesos, em que o Estado controla e pode ser controlado; o rompimento histórico e radical com o racismo, imputando-o como crime inafiançável; a legitimação e o fortalecimento das instituições democráticas como a OAB e o Ministério Público, fundamentais para a construção paulatina da cidadania e a confirmação de que a advocacia é indispensável à administração da justiça, reconhecendo que o advogado exerce função pública de alta relevância social”.

Portanto, a questão não é alterar e sim aplicar o que já está declarado. “Se isso acontecer, faremos uma verdadeira revolução sem armas”, defende Henri Clay.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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