28 DE AGOSTO, UMA DATA TRÁGICA

No dia 28 de agosto de 1906, há quase 100 anos, a praça do Palácio, também conhecida como praça da República, servia de cenário a um confronto ideológico e político, que tingiu de sangue as páginas da história. Caiu morto, atingido por uma bala de fuzil, o advogado, deputado federal, poeta, e pensador Fausto Cardoso. Pouco antes, ferido, cambaleante entre o Palácio e a rua de Pacatuba, sentiu sede, pediu água, e deixou um testamento inesquecível de luta: “Bebo a alma de Sergipe. Morro, mas a vitória é nossa, sergipanos”. O homem que tombava em defesa de suas idéias não era um novato no enfrentamento com adversários poderosos, tinha a vida marcada pela renovação intelectual, jurídica e política do Brasil.

 

Fausto de Aguiar Cardoso, nascido no Engenho São Félix, junto ao núcleo urbano de Divina Pastora, em 22 de dezembro de 1864, No Recife, para estudar na Faculdade de Direito, foi aluno e discípulo dileto de Tobias Barreto. Aos 19 anos editava o jornal Sahara, na capital pernambucana, tomando partido nas refregas intelectuais que mobilizavam a juventude daquele tempo. Fausto Cardoso aderiu ao monismo de Ernest Haeckel, mecanicista, e por toda a sua vida defendeu ardentemente as suas idéias, formando ao lado do próprio Tobias Barreto, de Sílvio Romero, de Gumercindo Bessa, de Martinho Garcez, de Felisbelo Freire e de outros, em lutas heróicas, uma delas a propaganda republicana. Foi um dos colaboradores de O Republicano, em Aracaju e de jornais do Rio de Janeiro, como Correio do Povo, União Federal, O Debate, A Imprensa, onde atuou ao lado de Rui Barbosa, e em periódicos como a Revista Brasileira.

 

Sua posição ideológica era, de saída, uma motivação política. Fundador do Partido Progressista, Fausto Cardoso não aceitou a adesão de Olímpio Campos à República, muito menos o seu aproveitamento no governo de Felisbelo Freire. A reação faustista pode ser medida nos discursos pronunciados na Câmara Federal, especialmente o da Sessão de 15 de julho de 1902, no qual resume as suas denúncias contra Olímpio Campos, secundadas por nove artigos de autoria de Gumercindo Bessa. Considerando que, naquele tempo, governava Sergipe o padre Olímpio Campos as denúncias repercutiram dentro e fora do Estado e mesmo com a intenção de encerrar o assunto, a ferida aberta jamais cicatrizou.

 

Padre Olímpio Campos
Fausto Cardoso acusava o presidente Olímpio Campos de uma manobra para criar duas novas vagas no Tribunal de Relação, uma delas para o seu irmão Guilherme Campos, e depois extinguí-las, afastando dois desembargadores dos antigos, seus adversários; de blindar seu Governo, com uma lei que dizia não caber ação judicial contra os atos discricionários do Poder Executivo Estadual; de criar uma disposição exigindo seguro para animais e indicando a seguradora Companhia de Seguros Garantia Eqüestre, que seria de um amigo; de subvencionar padres salesianos e depois vender a eles um terreno d sua propriedade, para a construção de uma escola; de tomar uma propriedade de Gumercindo Bessa, utilizando a força pública.

 

A eleição de 30 de janeiro de 1906, na qual Fausto Cardoso foi o mais votado para a Câmara Federal, foi contestada, para depois ser reconhecida. O ano começava tenso, prenunciando fatos marcantes para a história de Sergipe. Fausto Cardoso ampliava o número de adeptos ao seu Partido Progressista, alimentando a idéia de uma revolução para depor o presidente do Estado, o desembargador Guilherme Campos. No dia 10 de agosto, enquanto Fausto Cardoso percorria o interior, o alferes, reformado, do Exército Otaviano de Oliveira Mesquita, liderando praças da força pública revoltados, aquartelou-se na Ponte do Imperador, disparando contra o Palácio. Sem condições de reagir, o presidente Guilherme Campos e o vice Pelino Nobre procuraram o Capitão dos Portos, Amintas Jorge. As tropas revoltadas tomaram o Palácio. Somente a tarde, vindo do interior, Fausto Cardoso assume a liderança do movimento e exige a renúncia do presidente e do vice presidente. Assume o Governo o desembargador Loureiro Tavares, enquanto o Governo Federal mandava mais tropas para o esforço de repor os governantes renunciantes no Poder, ao que Fausto Cardoso e seu grupo reagiram, culminando no dia 28 de agosto com o confronto dos revolucionários com as forças militares.

 

Há quem registre que Fausto Cardoso estava inteiramente dominado pelo sentimento revolucionário, acreditando que aquela era a oportunidade de banir do Poder as castas dominantes, que desde o Império controlavam as administrações. Um tiro desfechado pelo Ajudante de Ordens do general Firmino Rego atingiu Fausto Cardoso no ventre. Com ele morreu um conhecido saveirista de Laranjeiras, Nicolau Nascimento, outros sairam feridos, no tumulto generalizado daquele dia. Na casa do coronel José Cardoso Fausto Cardoso pediu água, pouco tempo depois morreu.

 

Morte de Olímpio Campos
A morte de Fausto Cardoso repercutiu em todo o País. Na Câmara Federal, vários discursos de colegas parlamentares adornaram o perfil do morto. A tragédia, no entanto, não acabara. No dia 9 de novembro de 1906 os filhos de Fausto Cardoso – Humberto e Armando -, acompanhados do sergipano Décio Guaraná, atacam e matam o monsenhor Olímpio Campos, na praça XV (antigo Lago do Paço) no Rio de Janeiro, senador da República e tido como responsável pela morte do deputado. No mesmo ano, Sergipe perdia um deputado federal e um senador, duas figuras importantes da vida do Estado, mas não rompia com os métodos e procedimentos políticos.

 

No dia 8 de setembro de 1912, a praça da República recebia nome e a estátua de Fausto Cardoso, inaugurado pelo presidente José de Siqueira Menezes, ao recordar emocionante das palavras de Gumercindo Bessa. E, 1916 o presidente Oliveira Valadão presta homenagem a Olímpio Campos, com praça e monumento. Os dois nomes seriam tomados como patronos de dois poderes: Fausto Cardoso da Assembléia Legislativa, Olímpio Campos do Palácio do Governo. Acenando com o pequeno chapéu-do-Chile, Fausto Cardoso foi imortalizado pela arte do escultor Lourenço Petruci e deixou no imaginário a expressão da sua consciência: “A liberdade (é a coisa que) só se prepara na história com o cimento do tempo e o sangue dos homens”.

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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