A minha paixão pelos livros vem da infância. Desde cedo, gostava de ler, afinal não tínhamos muitas opções de lazer e entretenimento. Dos gibis em quadrinhos aos clássicos da literatura infanto-juvenil (“A Ilha do Tesouro”, “Moby Dick”, entre outros) aos contos policiais de Agathe Christie, os romances de Sidney Sheldon e as tramas bem urdidas de Frederick Forsyth, além dos livros de Jorge Amado, li quase todos. Petronio, Lucio e Henrique Batista na Biblioteca.
As coleções de livros vendidas em bancas de revista eram uma atração à parte para mim, principalmente pelo seu baixo custo. A mesma coisa acontecia com a série de fascículos sobre os mais variados temas, que colecionava semanalmente e depois levava para encadernar. Fiz amizade duradoura com o Sr.Theódulo Cortez, que morava na esquina das ruas Propriá e Pedro Calazans e trabalhava com a encadernação de livros. Admirava demais o seu trabalho e só vivia por lá, trocando idéias sobre livros e literatura. Considerava-o um artista pela habilidade que possuía, para mim uma atividade nobilíssima. Nunca mais o vi.
Com muitos livros, comecei a ter problema de espaço para acomodá-los. Como arrumar convenientemente tantos livros sem comprometer outras necessidades do lar. Terminei por transferir todos os meus livros para a nossa clínica na Praça da Imprensa, somados com os de minha irmã, Magali, também uma apaixonada pelos livros. Pensamos em montar uma locadora, mas desistimos. Depois montei uma livraria, a Canal Livro, realizando o sonho louco de trabalhar com livraria no Brasil, um país de poucos leitores. Não deu certo. Com a venda da clínica, anos depois, resolvemos colocar esse acervo à disposição da FTC – Faculdades de Ciências e Tecnologia, que o colocou numa sala em sua sede na Rua Vila Cristina, criando a Biblioteca Jornalista Antonio Conde Dias. Todos os nossos livros estão agora lá, sendo devidamente cadastrados e organizados nas estantes.
Fiz esse preâmbulo para reforçar a opinião que tenho sobre a magnífica biblioteca do Dr. Petronio Andrade Gomes, um rico acervo com mais de 15 mil livros, além de documentos dos mais variados, sobre todos os assuntos. Lá temos nos reunido com alguma freqüência, trabalhando na preparação do nosso Dicionário Biográfico dos Médicos Sergipanos e a cada vez que a visito percebo que ela se supera em tamanho e organização. Há anos, num trabalho exaustivo e minucioso, ele vem recebendo adquirindo volumes e recebendo doações de bibliotecas inteiras de médicos falecidos e de outras personalidades sergipanas.
Petrônio Gomes, neurocirurgião formado pela UFS e com especialização no serviço do Dr. Paulo Niemayer, no Rio de Janeiro, é um colecionador vocacionado. Membro atuante da Academia Sergipana de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ele tem dedicado todo o seu tempo de descanso e lazer aos livros, com especial interesse às obras que versam sobre a história de vultos da nossa Medicina. Sua família tem tradição. Seu pai, o jornalista Petronio Gomes, é contista dos bons, escreve com freqüência nos jornais. Seu tio, Carlos Cabral, grande pesquisador da genealogia das famílias sergipanas, conseguiu reunir 70 mil nomes das mais tradicionais famílias sergipanas, trabalho que foi continuado por Ricardo Gomes, irmão de Petronio, mas interrompido em função de sua morte prematura. Todo este acervo está na biblioteca, esperando somente a hora de ser finalizado e publicado.
Manoel Cabral Machado, o grande escritor sergipano, disse recentemente em artigo publicado no Jornal da Cidade, com a autoridade e a experiência que possui, que a biblioteca particular do Dr. Petronio Gomes, esse “médico talentoso que cuida da arrumação das cabeças atrapalhadas”, é a maior que já viu. E realmente todos que a visitam ficam fascinados com o carinho que ele dedica aos livros e pelo compromisso que assumiu de preservar a história de uma forma tão decidida e arrojada. E à medida que o acervo cresce, os espaços se ampliam indefinidamente.
Se no passado recente os livros representavam, para regimes ditatoriais e de exceção, uma forte ameaça por propiciar a difusão de ideais libertadores, hoje eles sofrem, em função dos avanços tecnológicos, notadamente pela disseminação dos computadores pessoais, um claro processo de rejeição. E não são poucas as pessoas que querem se livrar desses “troços inúteis”. Não é assim que pensa o Dr. Petronio Gomes, nessa saga meritória que optou desenvolver.
Homens passam, livros ficam. Nesse histórico ano de 2008, que registra o 200º aniversário de fundação da primeira escola médica do país, a vetusta Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, na Bahia, talvez a maior herança trazida por D. João VI e sua família tenha sido a Real Biblioteca. Hoje conhecida com Biblioteca Nacional, com sede no Rio de Janeiro, tem um acervo de mais de 10 milhões de itens, contando a história do Brasil e boa parte da história mundial, sendo uma das maiores bibliotecas do mundo.
Conhecer, contemplar e enaltecer a biblioteca do Dr. Petronio é dever imperativo de todos aqueles que entendem o valor do livro como instrumento de transformação social e de preservação da história.