O Brexit- processo de saída do Reino Unido da ter sido uma espécie de caixa de Pandora para o projeto europeu já não é mais novidade nem surpresa. O que se libertou da prisão dos avanços políticos europeus do século XX foram as suas antigas rusgas presentes na sociedade, seja pelo teor identitário, social ou pelos persistentes dilemas econômicos ainda não superados da crise de 2008. Se o pleito bretão ainda não se confirmou e efetivou, as dúvidas hoje na Europa também recaem ao Sul do continente, com o avançar da crise catalã e sua intenção de se separar da Espanha, emplacando ainda mais um conturbado cenário para a União Europeia.
É justo afirmar que as raízes dos motivos catalães para a separação da Espanha têm raízes distintas daqueles da terra da Rainha, mais calcada em seu passado com o governo central espanhol. A Catalunha é historicamente marcada por disputas com Madri em busca de sua auto-afirmação e autonomia. A supressão do uso da língua durante a ditadura franquista em meados do século XX, a anexação do território no século XIX e as variadas guerras de tempos ainda mais remotos mancham com sangue, lágrimas e rancor a relação do centro do poder espanhol com a região. Mesmo com as reconciliações recentes do final do século passado e a formação de um governo parcialmente autônomo ao central, a Catalunha por vezes buscou, desde o final do século XX, o processo de separação efetivo da Espanha e constituir-se legitimamente como um Estado-nacional.
E um grande capítulo dessa história acabou sendo traçado no último mês de outubro, com a aprovação em plebiscito na Catalunha de sua separação do território espanhol. Levada ao seu Parlamento e confirmado pelo mesmo, o governo catalão se autodeclarou independente e afirmou que iniciaria o processo de separação. Entretanto, como se esperaria, o governo espanhol não se fez ciente do reconhecimento da validade do plebiscito, considerando nula a manifestação catalã. Além disso, prendeu líderes do movimento de independência como ameaças à ordem pública e exerceram o uso da força em manifestações pró-saída. O resultado de tais medidas foram o arrefecimento do movimento, ampliando sua gama de aprovação dentro do próprio território espanhol. Madri ainda afirma que as medidas não foram exageradas e que estão abertos para o diálogo, apesar de que o uso da violência venha a ser necessário caso a escalada do conflito se mantenha.
Não obstante, a disputa se estende ainda por outros campos. Parte da explicação para a vitória do “Sim” no mês passado tem sua razão calcada nas motivações econômicas. Com a crise na Espanha desde o final de 2009, a região da Catalunha, sendo a mais importante em termos econômicas, acusa o governo de Madri de má gestão do dinheiro público e de ineficiência para a saída da crise. Soma-se a isso também a afirmação de que a região contribui mais para o governo central do que recebe em impostos – argumento similar ao do Brexit para a saída da União Europeia. Há de se levar em consideração que a Catalunha representa 25% das exportações espanholas e contribui com 19% do produto interno bruto do país, sendo uma importante perda para a Espanha em termos financeiros.
Ao mesmo tempo, em termos econômicos de curto e médio prazo, a separação não seria interessante para a população catalã. O primeiro aspecto é a inevitável perda prioritária ao mercado espanhol e europeu. A saída da Catalunha da Espanha representaria a criação de impostos para em relação à eurozona até que se aprovasse a entrada do novo país dentro do bloco europeu, processo que, ainda que não contasse com uma provável resistência espanhola, tardaria anos para se consumar. O segundo ponto é a mudança monetária. Os custos para a saída do euro poderiam resultar em uma nova moeda com baixa valorização para uma tentativa de competitividade e a pressão de altas taxas e desequilíbrios fiscais iniciais – causando um efeito de bola de neve de severa recessão. E por fim, há a problemática de fuga das empresas de suas sedes na Catalunha para uma sede espanhola já com acesso à eurozona, podendo impactar negativamente nos empregos dentro da região. Ainda faltaria acrescentar o custo de criar efetivamente instituições alfandegária e de Defesa e que resoluções se dariam para a questão da previdência de seus cidadãos em território europeu – o que inclui a Espanha.
Para dificultar ainda um cenário positivo para o ensejo catalão, a União Europeia “lavou as mãos” para o caso, admitindo que era uma questão “interna” da Espanha. Ou seja, a instituição jogou a favor de seu membro, e não dos políticos catalães. Essa decisão da União levanta outras possíveis questões sobre a nova onda de efervescência de nacionalismos dentro do continente, sobre como o bloco responderia a um pleito Escocês de entrada caso se separasse o Reino Unido, ou o caso de uma reunião das Irlandas. Cada caso é particular e precisam ser analisados com suas respectivas conjunturas, mas o sinal dado é que para aqueles que venham a ocorrer dentro de seus Estados-membros, a União apoiará os que ali já estão.
O fato que aqui expomos é que esse seguramente não será o primeiro caso e que as tensões crescentes entre nacionalismo e a identidade aparecerão ainda mais, em especial em um cenário de incertezas políticas e econômicas. O dilema de particularismo-integração será um novo panorama para futuras análises sobre a União Europeia e os casos britânicos (no sentido mais abrangente que o termo tem) e catalão serão paradigmáticos. Se aqui expusemos como uma caixa de Pandora da identidade nacional, não se exclui que aquele sentimento, já localizado e cultivado, era mantido há anos. A Pandora bretã apenas fez com que tais movimento se liberassem de seus rincões e ganhassem mais organicidade. E tal como o mito grego, o que resta é a esperança- se é um dos males ou para quem a mesma serve, isto ainda há de ser visto.