A Casa Lilás: crime e reconciliação

No dia 29 de abril de 1958, nas primeiras horas da madrugada, foi ferido em sua residência, enquanto dormia, o Dr.

Casamento de Milena e Carlos Firpo. Acervo: Aroldo Firpo

Carlos Firpo, diretor do Hospital Santa Isabel e da Maternidade João Firpo, vindo a falecer logo após dar entrada na urgência do Hospital Cirurgia.  O fato, também conhecido como o Crime da Rua de Campos, teve repercussão nacional e até hoje tem sido motivo de debates e discussões. Foi com muita honra que, atendendo convite do presidente da Academia Sergipana de Letras José Anderson Nascimento, coordenei os debates de lançamento do há muito esperado livro “A Casa Lilás”, do jornalista Luiz  Eduardo Costa, no âmbito da Casa de Tobias Barreto, ocorrido em 14 de junho último.

Publicado pela Editora do Diário Oficial do Estado de Sergipe, o livro tem capa e diagramação de Clara Macedo, revisão de Yuri Gagarin, pré-impressão de Dalmo Macedo e contém em torno de 300 páginas. A apresentação é do saudoso governador Marcelo Déda, o prefácio é do jornalista Ancelmo Gois e, ao final, traz um curto mas conciso depoimento de Dílson Bento de Faria Ferreira Lima, escritor e doutor em teologia, filho de Afonsinho – o Coronel Afonso Ferreira Lima,  personagem importante nessa obra-prima da literatura policial, envolvendo temas que despertam grande interesse na sociedade e na imprensa: sexo, dinheiro e política.

Numa terça-feira de junho, mais pontualmente no dia 10 de junho de 2008, abrindo as páginas centrais do Jornal do Dia, deparei-me estupefato com um título: Um copo de cristal, um grito na madrugada, que iniciava a série de artigos do jornalista Luiz Eduardo Costa, em capítulos, sobre o assassinato do médico Carlos Alberto de Menezes Firpo. A cada semana, aguardava com ansiedade mais um capítulo da incrível trama policial, que culminou no capitulo 36 com a pergunta: O sangue na faca já secou? Colecionei toda a série em recortes e montei um dossiê pessoal, ao qual incorporei reportagens, depoimentos, fotos e arquivos diversos da biblioteca do colega e amigo Petrônio Gomes. O acervo ficou na minha biblioteca como uma preciosidade que ninguém mais possuía, salvo o autor, claro! Hoje, passados treze anos, a trama   definitivamente está ao alcance de todos. A Casa Lilás, finalmente, chegou para traz mais luz sobre a tragédia.

Carlos Firpo.         Acervo: Aroldo Firpo

A Casa Lilás reforça definitivamente a minha convicção pessoal sobre a questão, a de que a morte de Firpo não foi um crime passional. O ponto de partida para o meu interesse pelo tema foi a música feita pelo médico Antônio Garcia Filho, amigo do casal Milena e Carlos, despertando a minha curiosidade inicial. Depois ouvi relatos informais da minha mãe Natália e da minha tia Iara, colegas de Milena no “Colégio das Freiras”, reiterando o caráter e a sólida formação moral dela. Depois tive acesso à série de reportagens do Jornal Última Hora, do Rio de Janeiro e, finalmente, e mais recentemente a reação do clã dos Firpos, ao ser informado por mim da morte de Milena Mandarino Firpo, em dezembro de 2020, na cidade de Salvador.

Um dos atuais líderes da família, Aroldo (neto de João Firpo, médico sergipano irmão de Carlos), que reside atualmente na Flórida, emitiu pelas redes sociais um documento dirigido à família, assim redigido: É com pesar que informo o falecimento de Milena Mandarino Firpo, com mais de 90 anos, ontem, 4 de dezembro 2020, em Salvador, BA. Gostaria que Maria das Graças, Juju e netos recebessem os mais sinceros sentimentos de pesar, meu e deste grupo Firpo. Milena, católica, mãe dedicada ao marido e filhos até os últimos dias. Sempre manteve a cabeça erguida lutando pela união da família e professando o amor a Carlos Firpo. Sofreu amargamente com as consequências da política num período onde as disputas se faziam pela eliminação do adversário com morte em vez de ideias e no voto. É comum, na vida, pessoas inocentes serem acusadas, caluniadas e julgaras pela opinião pública. A distorção dos fatos apresentados em jornais e rádio da época teve grande influência das pessoas com o poder, os quais tinham interesse na desinformação. A família muito sofreu, divisões foram criadas e animosidades para com Milena por parte de outros Firpo foram claras e evidentes. É chegado o momento que os descendentes Firpo se reconciliem com a verdade, apoiem as duas filhas e netos, além de pedirem perdão por tamanha injustiça por tal longo tempo. Eu peço perdão pela injustiça que meus pais tiveram para com Milena e família. Hoje, sei da verdade, pois tive acesso a fatos nunca revelados anteriormente. A partir desse depoimento, toda a família se manifestou favorável ao depoimento de Aroldo, que findou por chegar ao conhecimento de uma das filhas de Milena, Maria das Graças, que assim se manifestou:

Aroldo,

Foi com emoção que li sua mensagem. Ela levou-me até a noite de 29 de abril de 1958, quando a criança de oito anos que eu era viu seu mundo começar a desmoronar com a violenta morte de seu pai e foi apresentada de forma súbita e irrevogável (não era sonho) à maldade humana. Realmente minha mãe passou por profundas injustiças que seu caráter e sólida formação religiosa impediram que sucumbisse às calúnias da época. Colocou como meta de vida compensar as filhas da grande perda sofrida e fazer com que nós, minha irmã e eu, crescêssemos sem alimentar sentimentos negativos e tivéssemos a solidariedade e a justiça como base de nossa estrutura de valores. Pensava que dessa forma nos instrumentaria para olhar e usufruir o que de belo a vida tem para apresentar. E assim foi. Acolho com carinho sua mensagem. Sensível, justa, verdadeira e corajosa – é preciso coragem para pedir perdão – e em nome de Juju e no meu agradeço a você e aos demais que se manifestaram nesse nosso momento de dor.

Passados sessenta e três anos do hediondo crime, onde vidas foram destruídas, relacionamentos afetados, calúnias assacadas sem perdão e piedade, tramas urdidas na calada da noite, a canção de Garcia – Injustiçada – reacendeu mais vívida e luminosa: “Não, não te lamentes não…, que a dura verdade, virá depor. Deus, não esquece o coração, que sempre foi fiel, no amor. Tu, tão meiga e delicada…, de prendas e virtudes, e tão injustiçada… Não, não te lamentes tanto agora, que sobre a noite da calúnia, ressurgirá a aurora.”

PS – Em fevereiro de 2008 publiquei aqui, no meu blog do Portal Infonet “O Assassinato de Carlos Firpo”, onde relaciono ao final todas as fontes consultadas para a elaboração do artigo. Duas foram as principais motivações: conhecer a vida e a obra de um dos mais importantes médicos sergipanos do século XX e seu fim trágico, e a canção Injustiçada, de Antônio Garcia Filho, oferecida a Milena Mandarino na cadeia. Um grande cantor nacional à época, Alcides Gerardi, interpretou e gravou a composição pela gravadora Colúmbia e o cantor sergipano Antônio Teles incluiu no seu repertório nos shows e nos programas radiofônicos. Em junho de 2008, o jornalista Luiz Eduardo Costa começou a publicar uma série de artigos semanais no Jornal do Dia intitulada “O Crime da Rua de Campos”. O livro deveria sair em seguida, mas uma ação judicial impediu a sua publicação. Resolvida a pendenga na Justiça, o autor finalmente lançou o tão esperado livro, alterando o seu título para A Casa Lilás.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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