A Constituição Cidadã e o Dr. Ulysses

“Declaro promulgado o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude, que isso se cumpra”.

Com essas palavras ditas por Ulysses Guimarães há 30 anos, no dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição do Brasil. Foram 19 meses de trabalho de 559 deputados e senadores, intensa participação popular e sugestões de toda a sociedade, de indígenas a grandes latifundiários. Por isso, Dr. Ulysses a chamou de Constituição Cidadã.

O sonho da nova Constituição teve inicio na campanha de Tancredo Neves para a Presidência da República. Mas ele morreu em 1985, antes de ser empossado e sem ver seu sonho realizado.Coube ao seu sucessor, José Sarney, convocá-la e ao seu grande amigo e maior contraponto, Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, presidir a Assembléia Nacional Constituinte

A nova Constituição nasceu como resposta às reivindicações da sociedade por mudanças estruturais no país, após o encerramento do ciclo de 21 anos de governos militares.

Fruto do que foi provavelmente o maior pacto político da história republicana brasileira, a Carta de 1988 marcou a volta da democracia ao país.Por causa dela, inclusive, respira-se hoje o maior período de vida democrática que o Brasil já experimentou.

“Não é a Constituição perfeita — disse Ulysses —. Se fosse perfeita, seria irreformável. Não é a Constituição perfeita, mas será útil e pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados”.

Se não é a Constituição perfeita, certamente ela contribuiu para a democratização e a transformação social, política e econômica do Brasil pós-ditadura militar.

Contestada por muitos, mas indiscutivelmente moderna, a Constituição definiu a criação do Código de Defesa do Consumidor, a preservação do meio ambiente e antecipou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Determinou que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Também pensou na adaptação do espaço urbano aos portadores de deficiências e exigiu o empenho dos poderes públicos na erradicação do analfabetismo — que hoje ainda atinge 12 milhões de brasileiros, contra 30 milhões na época da promulgação.

A Constituição foi responsável por ampliar a atuação do Ministério Público, instituição essencial na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais.Mas 30 anos depois da promulgação, mais de 100 dos 380 dispositivos constitucionais presentes na Carta ainda precisam ser regulamentados.

Muitos deles são temas polêmicos, como o direito de greve de servidores públicos, a limitação de compra de terras por estrangeiros e a implementação de imposto sobre grandes fortunas. Questões que nem o conciliador Dr. Ulysses resolveria.

Ulysses Silveira Guimarães, por coincidência, nasceu e morreu no mês de outubro. Ele nasceu no interior de São Paulo há 102 anos, no dia 6 de outubro de 1916, e morreu num acidente de helicóptero em Angra dos Reis, no dia 12 de outubro de 1992.

Foi deputado federal em 11 mandatos consecutivos e presidente da Câmara dos Deputados em duas ocasiões distintas. Inicialmente, apoiou o golpe de 1964 contra o presidente João Goulart, mas logo passou à oposição e a lutar pela volta da democracia.

Com a instauração do bipartidarismo, em 1965, filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do qual seria presidente. À frente do partido, participou de todas as campanhas pelo retorno do país à democracia, inclusive a luta pela anistia ampla geral e irrestrita.

Foi o anticandidato a presidente em 1973,como forma de protestar contra a farsa da eleição presidencial promovida pela ditadura, em que o “candidato” governista já estava previamente eleito, pela via indireta do voto do Congresso. Também foi candidato à presidência da República na eleição de 1989.

Com Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Franco Montoro, Ulysses liderou as campanhas pela redemocratização, como as Diretas Já.

A derrota da campanha transferiu as expectativas populares para a Câmara dos Deputados, onde Ulysses soube traduzir os anseios das ruas na formulação de uma Carta que, aos 30 anos depois de promulgada, mantém a atualidade do resgate dos direitos dos cidadãos.

No acidente em que morreu, quando o helicóptero caiu no mar, também morreram sua mulher, dona Mora, o ex-senador Severo Gomes e a mulher dele, além do piloto. O corpo de Ulysses Guimarães nunca foi encontrado.

Dr. Ulysses era do tempo que os políticos eram grandes.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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