Enquanto o sol nasce lá no horizonte, polindo a lâmina de água do oceano com a avidez da luz, é possível assistir ao desfile de pessoas que buscam alimentar a vida através da corrida de rua. Passos largos ou curtos, gordos ou magros, homens ou mulheres, tênis colorido ou neutro, com ou sem viseira, tanto faz, porque o importante nesse caso é provocar o movimento do corpo. Correr é a superação de todos os limites e a liberdade é a palavra que melhor define o esporte.
A corrida de rua é um dos esportes mais democráticos que existe. Não faz distinção entre pessoas ou lugares. Não exige protocolo ou burocracia, apenas vontade, desejo e ímpeto. Só não corra pelado por aí porque o risco de ser detido é muito grande.
Descalço ou com tênis que custam milhares de níqueis, o corredor é aquela pessoa cujo único perfil é o movimento. Como todo esporte, logicamente, a corrida de rua exige alguns cuidados médicos para evitar problemas de saúde. O objetivo, nesse caso, é promover o bem-estar e não colocar ninguém em apuros.
A literatura, com destaque para Nelson Rodrigues e Eduardo Galeano, não poupa esforço para elevar o futebol ao status de arte, descrevendo sobre amor, multidão e heróis. A corrida de rua também tem suas histórias e lendas. Mesmo não sendo protagonista das crônicas esportivas é igualmente grande ou maior que o futebol. Correr é parte essencial do futebol. É o princípio da linguagem corporal humana quando o assunto é atividade física.
Tão belo quanto as crianças que jogam bola nas areias das praças abandonadas ou em ruas sem calçamento simplesmente pela diversão, são os corredores que desafiam as ladeiras pelas rodovias com tênis considerados impróprios. É a paixão que enseja o motivo de continuar a busca pelo gol ou pela linha de chegada. Mas há uma diferença.
No futebol, sobretudo o profissional, é preciso ter um palco para assistir ao show. Já na corrida de rua, a cidade inteira pode ser aproveitada. As avenidas, praças, viadutos e vielas, ou seja, qualquer caminho é um bom lugar para correr. É possível, ainda, participar de provas onde corredores profissionais e amadores seguem o mesmo percurso, diferente do futebol, onde o amador somente é parte do público.
No Brasil, por exemplo, um clássico do futebol pode reunir 50 mil pessoas. Desses, 22 são jogadores. E eles estão ali, unicamente, para promover o espetáculo. Numericamente, ao contrário, algumas corridas de rua podem ter essa mesma quantidade de pessoas, mas em participação. Essa é a magia da corrida: arrebatar a multidão para gerar participantes e não meros espectadores.
Corrida é um esporte individual com características coletivas. Na maioria das vezes, no entanto, o corredor treina sozinho. Ele já sai de casa correndo, sobe pela calçada, atravessa a rua, desvia no posto de combustível, corta caminho na praça, desce do calçadão, segue pela ponte, avança o sinal vermelho, observa a alvorada ou o pôr do sol, bebe uma água ainda em pleno movimento, ouve uma música, vê o congestionamento do trânsito, acena para o amigo, ouve a buzina e retorna.
Coletivamente, a corrida tem um enorme legado. Treinar sozinho é somente parte do processo. Diariamente o convívio de um corredor de rua reflete um perfil social de forte convergência de desafios. Ele interage de todas as formas possíveis, mais ainda, hoje em dia, por meio das redes sociais. É comum ler e ouvir palavras de incentivo. O espírito coletivo da corrida de rua é exaltado nos eventos. Correr entre milhares de pessoas é simplesmente fantástico. É de arrepiar. Impossível não se envolver. O mais incrível é que todos estão apoiando um ao outro. Tão apaixonante que os últimos colocados são sempre mais aplaudidos que os primeiros.
Obviamente que a competição e a rivalidade existem, mas ficam somente no nível esportivo. A corrida de rua é democrática porque nivela o pior e o melhor em amor ao esporte. Ela nega a superioridade física de um em detrimento da inferioridade de outro. O gol é individual. A linha de chegada é para todos.