A criminalização da homofobia

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar, na sessão plenária da quarta-feira da semana passada (13/02/2019) – e deu sequência na sessão plenária de ontem, quarta-feira 20/02/2019 – ações em que se discute a temática da criminalização da homofobia.

Como o tema é muito interessante e rico em possibilidades de análises sob diversas perspectivas, vamos começar a sua abordagem aqui no blog da Infonet.

No texto de hoje, abordaremos o seguinte aspecto: existe uma obrigação constitucional imposta ao legislador, no sentido de que seja elaborada lei que tipifique o crime da homofobia?

Em uma sociedade tão estruturalmente desigual como a nossa, é fundamental a percepção crítica da existência de variadas modalidades de discriminação, praticadas nas mais diversas formas.

Assim, a Constituição determina serem objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Somente há sentido lógico na imposição desses objetivos fundamentais quando se assume claramente que, infelizmente, existem na realidade social concreta essas variadas modalidades de discriminação.

A questão aqui proposta é identificar se, dentre os múltiplos mecanismos jurídicos voltados para o alcance dessa meta constitucional de redução das desigualdades existe a determinação para que o legislador tipifique o crime da homofobia.

Pois bem, a tese suscitada pela autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 (PPS – Partido Popular Socialista) é a de que a homofobia é espécie de discriminação pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, e que, portanto, é espécie de discriminação repugnante, que inferioriza e estigmatiza pessoas em sua dignidade por razões absolutamente reprováveis, tal como sucede com todas as demais formas de discriminação, assim como ocorre com a discriminação racial, por exemplo.

No termos da petição inicial, subscrita pelo advogado Paulo Roberto Iotti Vecchiatti,

“Racismo é toda ideologia que pregue a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro (e a homofobia e a transfobia implicam necessariamente na inferiorização da população LGBT relativamente a pessoas heterossexuais cisgêneras – que se identificam com o próprio gênero)”.

Sendo assim, haveria a concreta determinação constitucional para o legislador tipificar o crime da homofobia na norma do Art. 5º, inciso XLII: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”.

Essa obrigação constitucional estaria ainda subsidiariamente amparada na regra mais genérica do inciso XLI do mesmo Art. 5º, ao impor que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;”.

Finalmente, a obrigação constitucional de o legislador tipificar o crime de homofobia resultaria do princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente, que se extrai da norma do inciso LIV do Art. 5º [“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”].

O quadro fático que se apresenta no Brasil parece mesmo alicerçar essa boa hermenêutica no sentido de que a Constituição realmente impõe a obrigação de lei formal tipificar o crime da homofobia.

Com efeito, os níveis de discriminação em razão da orientação sexual têm se revelado assustadores, inclusive com prática disseminada de violência física e mesmo assassinato de homossexuais e pessoas LGBT em geral, com evidente quadro de redução das margens de exercício dos direitos fundamentais inerentes à dignidade humana dessas pessoas, gravemente feridas nos espaços de convivência comunitária, que deveria ser permeada de igualdade/fraternidade/respeito.

No voto que concluiu na sessão plenária de ontem (quarta, 20/02/2019), o Ministro Celso de Mello, Relator da ADO nº 26, votou no sentido de que sim, existe a obrigação constitucional de que seja elaborada lei formal que tipifique o crime da homofobia, pois “O preconceito e a discriminação resultantes da aversão aos homossexuais e aos demais integrantes do grupo LGBT – típicos componentes de um grupo vulnerável – constituem a própria manifestação cruel, ofensiva e intolerante do racismo por representarem a expressão de sua outra face, o racismo social”.

O julgamento prosseguirá na sessão plenária de hoje (quinta, 21/02/2019) a tarde, na qual está previsto também o início da apreciação do Mandado de Injunção nº 4733, em que é discutida a mesma controvérsia jurídico-constitucional.

Na segunda parte, na próxima semana, comentaremos o seguinte aspecto: se existe a obrigação constitucional de legislar, e o legislador não cumpre essa sua obrigação, incidindo na conduta da inconstitucionalidade por omissão, os remédios constitucionais que de algum modo se voltam para resolução de problemas que decorrem de omissões normativas inconstitucionais (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção) possuem aptidão para viabilizar o cumprimento dessa específica obrigação constitucional? Quais são os limites e possibilidades do controle judicial das omissões legislativas inconstitucionais?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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