Durante os 31 anos da epidemia de AIDS, sempre surgiram as chamadas “lendas urbanas”, onde as redes sociais divulgavam atitudes de possíveis “criminosos” que estavam propagando o HIV utilizando seringas “espetando” pessoas em grandes festas populares ou colocando em bancos de cinemas e teatros, agulhas tentando infectar pessoas. Mais recentemente, criaram mais uma lenda urbana, dizendo que tinha uma mulher vestida de branco, no centro da cidade, que estaria oferecendo o teste da glicemia, mas que a intenção era “contaminar” as pessoas com o HIV. Infelizmente, a AIDS sempre foi alvo de estórias com o objetivo de provocar pânico.
Nas últimas semanas, a imprensa on-line, jornais e emissoras de televisão, deram destaque sobre o "clube do carimbo", os soropositivos que transmitem propositalmente o HIV, "carimbando" sua vítimas com o vírus e instruindo outros sobre como fazê-lo também, perfurando ou retirando a camisinha sem que seus parceiros percebam. Repudiamos o “clube do carimbo”, pois se trata de promover relação sexual não consensual e sem proteção. É importante lembrar que o perfil de transmissor intencional do HIV não é o perfil de todo o soropositivo. A esmagadora maioria das pessoas que vivem com HIV tem responsabilidade com a sua saúde e com a dos outros.
Uma informação muito importante que não consta em nenhuma das matérias divulgadas na mídia é a situação de saúde dos componentes do “clube do carimbo”, isto é, se estão em tratamento com os antirretrovirais. O tratamento antirretroviral é o tratamento essencial para todo soropositivo manter-se vivo e saudável. Quando feito de maneira consistente, é capaz de reduzir a quantidade de vírus no sangue, a carga viral, até um nível indetectável, diminuindo, consideravelmente, a transmissão do HIV de uma pessoa para outra, mesmo numa relação sexual sem o preservativo. Por outro lado, se os membros do “clube do carimbo” são soropositivos e estão sem tratamento, a relação sexual sem preservativo poderá ter as seguintes consequências: infectar a outra pessoa ou adquirir outro HIV caso a outra pessoa também seja soropositiva. Neste caso, os dois HIV numa mesma pessoa darão origem a um vírus resistente ao tratamento, o que comprometerá a qualidade de vida de ambos. Há também o risco de adquirir infecção por outras DST, como hepatites virais, sífilis, gonorreia e HPV.
Numa relação sexual entre duas pessoas, a responsabilidade da prevenção deve ser compartilhada. Não cabe apenas a uma pessoa soropositiva ou não, mas àquelas nela envolvidas.
O “barebacking” é uma prática consentida de sexo anal sem proteção, geralmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH). Trata-se de uma decisão pelo sexo desprotegido – negociado entre as partes. O sexo desprotegido não é uma prática limitada às populações gays, evidentemente: uma importante pesquisa feita no Brasil mostrou que 45% da população sexualmente ativa do país não usou preservativo em relações sexuais casuais nos últimos 12 meses.
Quando a epidemia de AIDS cresce em uma região, não é devido ao “clube do carimbo” ou o “barebacking”. É porque um número significativo de pessoas não faz o teste, não faz prevenção necessária (apesar da disponibilização dos preservativos e medicamentos para a prevenção) ou são HIV positivas e não estão em tratamento.
A criminalização em relação a AIDS gera mais danos do que benefícios em termos de saúde pública, pois pode impactar negativamente os esforços para ampliar a testagem do HIV e iniciar o tratamento. A criminalização não condiz com a atual estratégia de prevenção combinada, já que uma pessoa em tratamento dificilmente conseguiria transmitir o vírus. O pânico moral apenas contribui para gerar ainda mais estigma e preconceito contra pessoas vivendo com HIV.
Portanto, não há nenhuma evidência de que o uso de leis criminalizantes em relação ao HIV seja uma ferramenta efetiva de prevenção e resposta à epidemia.
O enfrentamento à epidemia da AIDS deve ser feito com atitudes de prevenção e solidariedade.