Até ser cassado, um político com mandato passa por um longo processo de sangramento — para citar uma palavra da moda. Flagrado no delito, ele é investigado, denunciado, julgado e condenado. Cada etapa desse processo envolve diversos profissionais e autoridades, evidentemente qualificados, até prova em contrário, de instituições respeitadas, também até prova em contrário, a exemplo da Polícia Federal e do Ministério Público. Por fim, acabará perdendo o mandato por julgamento do Judiciário ou do próprio Legislativo, a depender do caso. No entanto, não é raro que se culpe a imprensa pelo próprio insucesso.
O sujeito comete um crime, muitas vezes uma seqüência criminosa de crimes perpetrados durante toda a carreira e, quando os delitos tornam-se públicos, traveste-se de vítima da imprensa, que, noticiando o fato delituoso, o expõe ao julgamento popular.
O caso André Moura é exemplar. Quando candidato a deputado estadual, ele foi flagrado cometendo um crime, corrupção eleitoral, pelo qual foi cassado. Na terça-feira passada, praticamente despediu-se com um discurso-desabafo contra o Ministério Público Federal e — claro! — a imprensa. Ingenuamente, disse que ambas as instituições influenciaram na decisão da desembargadora Madeleine Gouveia, autora do voto de minerva, no Pleno do Tribunal Regional Eleitoral, que lhe retirou o mandato.
Mas é lógico que os procuradores da República, especialmente o destemido Eduardo Botão Pelella, interferiram para que ele fosse cassado. Esse é o papel deles. Ou, afinal de contas, o que é denunciar? Mas isso não vem ao caso neste momento.
O que deve ser dito aqui é que a imprensa — com destaque para o JORNAL DA CIDADE, frise-se — influenciou, sim, no julgamento. Porque à imprensa cabe não somente noticiar os fatos ou reproduzir os anseios e as opiniões da sociedade, mas também cobrar das autoridades o pleno funcionamento das instituições. O que não quer dizer que tenha sido pedida a condenação de ninguém.
André acha que foi indevidamente envolvido na Operação Navalha e isso, mais do que tudo, teria lhe custado o mandato. Não é verdade. A verdade é que ele foi vítima da Navalha mesmo não sendo um gautameiro. É que, monitorando as fartas conversas telefônicas de Flávio Conceição de Oliveira Neto, a Polícia Federal captou diálogos do próprio deputado que sugerem que o primeiro julgamento do TRE, que o inocentou, tinha sofrido a interferência — aí antiética e ilegal — do influente conselheiro.
Graças à Operação Navalha um julgamento supostamente viciado foi corrigido. Com essa informação em mãos, porque tornada pública pela imprensa, o Pleno do TRE tratou de fazer justiça. Antes de considerar que foi cassado porque setores da imprensa assim o quiseram, André precisa enxergar que perdeu o mandato porque era o que queria a opinião pública: formou-se uma convicção coletiva de que ele cometeu um crime eleitoral grave e tentou, por vias tortas, influenciar no próprio julgamento.
Cresce a reação ao TCE
Jackson Barreto subirá à tribuna da Câmara Federal na quarta-feira para fazer um discurso contra o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. A voz rouca do deputado federal será ouvida num pronunciamento que promete ser bombástico. JB não tem economizado adjetivos para atacar a nossa “corte de contas”, que considera a instituição mais desmoralizada do Estado, um “caso de polícia”.
Na terça-feira, numa entrevista à TV Atalaia, ele jogou um pouco mais de azeite nessa fervura: “Estou disposto a informar aos sergipanos o que cada conselheiro faz no interior para defender os seus interesses políticos”. Essa declaração por si só já é suficientemente forte. Pode-se até desconfiar do que se trata, mas com certeza Jackson sabe do que está falando.
“É um órgão que nunca teve o meu respeito. Esses lastimáveis episódios envolvendo conselheiros estão servindo para que os sergipanos conheçam a verdade”, fustigou, referindo-se às gravações da Polícia Federal reveladas pela Operação Navalha, onde todos os conselheiros, indistintamente, são citados e pelo menos três são flagrados em conversas comprometedoras.
“Se 80% dos conselheiros forem para casa, não deixarão saudade. Pelo contrário, farão um bem danado ao povo”, concluiu o ácido parlamentar.
Aqui voltemos à culpa da imprensa. A Operação Navalha flagrou e os veículos de comunicação tornaram público o que a maioria já desconfiava: o Tribunal de Contas é formado por pessoas que têm um poder desproporcional ao que concretamente produzem. É por isso, inclusive, que está amadurecendo o debate sobre a ineficiência dos tribunais de contas dos Estados, dos municípios e da União.
“A todo o momento surgem casos de corrupção e os tribunais de contas dos municípios, Estados e da União nunca denunciaram nenhum desses casos. É sempre a Polícia Federal ou a imprensa”, comparou o deputado federal carioca Miro Teixeira (PDT).
Cresce a reação em Brasília e, aqui, o coro de Jackson Barreto começa a engrossar. O presidente da OAB em Sergipe, Henri Clay Andrade, também defende o fim da indicação política e a realização de concurso público para conselheiros dos tribunais de contas. Talvez fosse o caso de se diminuir também a pompa de uma casa que nem poder é, mas age e é respeitado como se o fosse. Em Sergipe, a superdimensão do TCE está evidente. O órgão técnico está superexposto, quando deveria prevalecer a discrição — da decoração das salas às relações e costumes dos conselheiros.
Deixemos Jackson Barreto falar mais um pouco: “Imagine que fui ameaçado de processo porque fiz a declaração de que o Tribunal de Contas de Sergipe era caso de polícia.
O tribunal é mais político do que técnico. Suas decisões são mais políticas do que técnicas, daí porque o seu papel tem sido muito questionado pelo nosso povo. Recentemente o Tribunal de Contas queria manter na Presidência um conselheiro atingido pela compulsória (Hildegards Azevedo). Depois, assume o novo presidente e denuncia que o Tribunal de Contas pagou irregularmente R$ 2,5 milhões pela compra de material de informática. Agora novamente outro escândalo envolve o Tribunal de Contas de Sergipe e, se mais investigações realizarmos, mais denúncias encontraremos”.
Então: que tal reduzir o Tribunal de Contas a um órgão auxiliar do Legislativo?