A CULTURA E A ARTE

Há, no Brasil, um bifurcamento histórico entre a arte e a cultura, que dá visibilidade, de um lado, a um rico patrimônio que funde o artístico e o técnico, e, de outro lado, faz circular, na oralidade, um repertório antigo, transplantado, que o povo brasileiro tem guardado, como fiel depositário. Muito embora as intenções e interesses sejam os mesmos, catequéticos, os acervos e repertórios, praticamente em todo país, se distanciam, cada qual com suas peculiaridades. A cultura brasileira reproduz, como um espelho, as características multiétnicas da formação social do país, vistas e identificadas tanto pela pluralidade das manifestações, como pelo seu rígido controle. Foi o magistério moral da igreja, sem dúvidas, responsável pelas adaptações feitas aos contos populares, aos romances e cantigas, aos autos, as danças e os foguedos, os ditos, provérbios, adivinhas, um plural universo cultural que ganhou a sentença moral e exemplar e serviu como lição pedagógica nas escolas jesuíticas. Descoberto em pleno renascimento, em cuja arte refloresce o homem, o Brasil guarda uma cultura de traços inegavelmente medievais. Cristãos e Mouros reproduziram, no Brasil, as lutas que travaram, por mais de oito séculos, entre a Europa e outras partes do mundo. Carlos Magno, que viveu em século distante, se tornou personagem próximo do povo, freqüentando com o heroísmo dos seus doze pares as cavalhadas, as cantorias de violas, as congadas, e outras expressões folclorizadas no Brasil. Roberto da Normandia, João de Calais, A Imperatriz Porcina, a Donzela Teodora entraram nas páginas do cordel e ainda hoje correm feira, com seus exemplos. A cultura brasileira mantém, no mais profundo de sua fonte, um complexo e amplo aspecto, diversificado em sua aparência, em sua roupagem, em suas manifestações, guardando, na verdade, fatos e repertórios que são a mais antiga notícia de muitos povos distantes como se guardasse, entre brincadeiras e portadores do folclore, o passado do mundo. Pois está no Brasil grande parte da cultura do mundo oriental, no mundo africano, do mundo medieval. Codificada, a cultura brasileira impõe, como exigência de sua leitura, o domínio da emblemática medieval, da simbologia decifradora e interpretativa. Diante da cultura brasileira, notadamente em algumas regiões mais velhas do país, o homem parece encontrar a esfinge ameaçadora, com seu enigma: Decifra-me ou te devoro. Falta, ainda , o Édipo. Com a arte foi outro o percurso. Às caravelas eram, elas mesmas, um produto artístico e técnico, que permitia a navegação do oceano, melhor dizendo, dos oceanos, além do estreito de Gilbraltar ou as lendárias colunas de Hércules. A cerâmica trazida nas caravelas, encontrou aqui coisa igual, no uso útil, ou no decorativo, entre os indígenas, habitantes das praias e das florestas brasileiras. Havia uma arte plumária, uma utilização de fibras e de outras matérias que davam aos indígenas uma tarefa rotineira de elaboração de objetos variados. A rede, mais arte que artesania, levava a fiação, embora nem sempre artística, dos tecidos. Da África os negros trouxeram os vários domínios de uma arte religiosa, cerimonial, ritual, que foi combatida, com rigor, pelos colonizadores. Eles próprios, os colonos brancos, trouxeram uma arte refinada, bem diversa dos repertórios culturais, trouxeram a ópera, e seus melhores autores, como é prova a magnífica festa de 1760, na Bahia, em louvor do casamento do príncipe D. Pedro com a princesa D. Maria. A ópera receberia, a partir de 1810, o estímulo da casa reinante de D. João VI e despertava autores entre os literatos e músicos brasileiros. A arte literária, discursiva, barroca, acadêmica, e romântica , na sintonia dos gêneros e dos movimentos, produziu o moderno e nele a vanguarda, que na poesia, por exemplo, levou ao concretismo, com os irmãos Campos, Haroldo e Augusto, Ferreira Gular, e outros, depois a práxis, com Mário Chamie, por fim ao poema processo, com Vladimir Dias Pino, Nei Leandro de Castro, Moacir Cirne, e outros. O Alejadinho, em Minas Gerais, e um múltiplo de artista, marcando com traços, formas e cores uma arte brasileira, multiplicada nas igrejas, nos conventos, nas capelas, como expressão própria, de religiosidade. A missão francesa, a presença de outros artistas, vindos da Europa, dinamizaram a criação, e deram uma identidade ao romantismo brasileiro, que terminou mostrado fora daqui, como muitos artistas assim o fizeram, e dentre eles Horácio Hora e Cândido Farias, que viveram em Paris, na Gloria do reconhecimento artístico tendo saído, ambos, de Laranjeiras, em Sergipe. Horácio Hora com suas telas românticas, reproduzindo cenas e personagens dos romances de Alencar, Cândido farias desenhando os cartazes de cinema da casa Pathé. O modernismo de 22 revelou outras facetas da arte e deu ao Brasil e ao mundo nomes que ainda hoje são referências: Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari. Será preciso citar mais? Na música e na literatura, no teatro e na arquitetura, no cinema como na dança, a arte tomou formas próprias, brasileiras, dando ao mundo um retrato fiel do Brasil e dos brasileiros. Uma arte tão mestiça quanto a sociedade, tão lúdica quanto o jeito de viver, cotidiano, do povo, tão representativa do nacional, quanto universalizada pelas suas linguagens. Arte e cultura, arte na cultura, ou seja, nos contextos das histórias, caminhos diferentes de uma representação estética, algumas vezes tocada de uma ética que é, sempre, base da construção histórica e da sociedade. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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