A decisão do STF sobre financiamento eleitoral

Finalmente o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em face dos dispositivos legais que autorizam a realização de doações, por empresas, em campanhas eleitorais (ADI 4650).

E concluiu – apesar das tentativas do Ministro Gilmar Mendes em impedir essa conclusão, ao reter o processo em vista por mais de um ano e meio quando assumia publicamente que já tinha posição formada a respeito – pela procedência da ação, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

A maioria dos Ministros – Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Carmem Lúcia, Rosa Weber, Roberto Barroso e Marco Aurélio – acatou o entendimento defendido pelo Conselho Federal da OAB, no sentido de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizam a realização de doações, por empresas, em campanhas eleitorais, pelos seguintes fundamentos, em síntese:

– princípio da igualdade – a permissão para que empresas possam efetuar doações para candidatos e partidos políticos desequilibra a disputa eleitoral, fazendo com que o poder econômico se torne preponderante no sucesso ou insucesso das campanhas eleitorais, rompendo o equilíbrio da disputa política;

– princípio democrático – como decorrência da violação ao princípio da igualdade da disputa, tem-se a ruptura com o princípio democrático, ao propiciar preponderância dos mais ricos sobre os mais pobres, corrompendo a vontade popular soberana e traduzindo controle, pelo poder econômico, dos centros de decisão política;

– princípio republicano – uma vez que os interesses dos doadores tendem a ser objeto de atenção diferenciada pelos eleitos, disso decorre a apropriação do espaço público por interesses privados, contrariando a própria essência do princípio republicano;

– princípio da proporcionalidade – o conjunto normativo que autoriza tais doações revela deficiente proteção do regime democrático, da igualdade na disputa e do princípio republicano, com o que se evidencia a sua inadequação ao atendimento dos objetivos constitucionais.

Também foi afastada a visão segundo a qual a autorização legislativa para doações em campanhas eleitorais seria expressão de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, propriedade privada, livre iniciativa e cidadania. Isso porque a Constituição não protege, ainda que a pretexto de exercício da cidadania, um suposto direito fundamental a patrocinar campanhas políticas. Isso fica evidente no caso de empresas, cuja finalidade institucional é a obtenção de lucro e não a promoção de qualquer propósito político. Ademais, o próprio ordenamento jurídico constitucional impõe âmbito de restrição à propriedade privada e à livre iniciativa, a exemplo de bens e valores retirados do domínio do comércio ou limitações à apropriação patrimonial (foram citados os exemplos de restrições legítimas ao direito de propriedade e a vedação para que órgãos e tecidos humanos sejam tratados como mercadorias).

Trata-se, sem dúvida, de decisão histórica.

Não é desconhecido de ninguém que grandes empreiteiras e grandes bancos têm sido financiadores das ricas campanhas eleitorais dos principais agrupamentos partidários brasileiros, numa lógica que, para além de comprometer a igualdade da disputa, revela a origem de boa parte dos grandes esquemas de corrupção: grandes bancos e grandes empreiteiras investem em campanhas eleitorais para que, eleitos, deem em troca o que os sistemas orçamentários, administrativos e de contratação de obras podem propiciar de vantagens ilícitas que representam apropriação privada criminosa de bens e patrimônio público. É o modus operandi já identificado em diversos escândalos anteriores e verificado uma vez mais, em maior vulto, a propósito da “Operação Lava-Jato”.

Com a declaração de inconstitucionalidade firmada pelo STF, alcançamos o estágio de que é a Constituição mesma que proíbe essa lógica nefasta para a nossa democracia representativa.

E a Presidenta da República, se essa for realmente a sua vontade política, ganha um precioso fundamento jurídico para vetar o projeto de lei já aprovado pelo Congresso Nacional que permite a doação eleitoral por empresas: o veto fundamentado na inconstitucionalidade, tendo por base a decisão do STF, com que teremos um freio de arrumação na perigosa contra-reforma política tocada a galope pelo atual Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

A efetiva reforma política do sistema representativo deve ganhar novo impulso com essa histórica decisão do STF. Esse debate deve continuar sendo travado no espaço adequado (sociedade civil, parlamento), tendo a decisão do STF como ponto de partida mais seguro para a definição do melhor modelo legal de financiamento de campanhas eleitorais [financiamento exclusivamente público, financiamento misto (financiamento público e financiamento por pessoas físicas, submetido a limites)].

Aniversário de oito anos

Esta coluna completa oito anos de existência. Em 12/09/2007, escrevi o primeiro texto, denominado “O apagão da transparência no Senado Federal”. Tratava da decisão do Senado Federal de realizar sessão secreta para julgamento do Senador Renan Calheiros, acusado de prática de conduta incompatível com o decoro parlamentar. De lá pra cá, semanalmente, a coluna tem se dedicado à análise de temas jurídicos de repercussão no cotidiano da sociedade.

Agradeço inicialmente à Infonet, pelo convite para um desafio que se renova a todo instante. Em seguida, agradeço aos leitores e amigos, muitos dos quais, tanto através de e-mail como por via de comentário no próprio site e em redes sociais, têm emitido opiniões e participado construtivamente das discussões propostas pela coluna.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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