Na coluna publicada em 26/08/2008 – “Ativismo Judicial e Democracia” – apontamos a apatia com que se desenrolava a campanha eleitoral municipal daquele ano, bem como a relação que isso possuía com o ativismo judicial cada vez mais intenso, em especial do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, e do quanto isso era perigoso para a democracia:
“[…] Esse ativismo judicial aparece tão perigoso quando se percebe a apatia com que vem se desenrolando a campanha eleitoral para os cargos eletivos municipais em todo o país. Algo como se o eleitor tivesse a percepção de que seu voto não vale muito, afinal, os grandes assuntos de relevância social estarão agendados, definidos e decididos mesmo em outras esferas de poder, cujos membros não se submetem a processo de escolha popular. E esse é um caminho muito perigoso para a nossa democracia, que ainda busca consolidação após vinte anos […]”.
Passados oito anos, e em meio a uma crise econômica e a uma instabilidade política que perdura mesmo após o golpe institucional que depôs a Presidenta Dilma Roussef e levou ao governo definitivo de Michel Temer, o quadro de apatia se mostra bem mais acentuado, na semana que antecede a realização do primeiro turno das eleições municipais de 2016.
Essa campanha eleitoral – a primeira sem o pernicioso financiamento empresarial – é certamente a mais apática desde a primeira eleição pós-ditadura militar, que foi a eleição presidencial de 1989.
São diversos os fatores que contribuíram para esse resultado, podendo alguns deles ser aqui apontados:
– a minirreforma eleitoral de 2015 [Lei n° 13.165, de 29/09/2015, que alterou a Lei das Eleições (Lei n° 9.504/1997), a Lei dos Partidos Políticos (Lei n° 9.096/1995) e o Código Eleitoral (Lei n° 4.737/1965)], que: a) reduziu em 40 dias o tempo de propaganda eleitoral (antes, a propaganda eleitoral era permitida já a partir de 5 de julho e agora somente a partir de 5 de agosto) e reduziu em 10 dias o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão (que passou a ser nos 35 dias anteriores à antevéspera da eleição e não mais nos 45 dias anteriores à antevéspera da eleição), além de ter reduzido o tempo total, nesses 35 dias, destinado à propaganda eleitoral; b) restringiu o direito de participação de candidatos de pequenos partidos (ainda que com representação na Câmara dos Deputados, não obstante inferior a nove deputados federais) nos debates eleitorais realizados pelas emissoras de rádio e televisão, bem como limitou significativamente o seu tempo total de exposição na propaganda eleitoral no rádio e na televisão;
– o descrédito generalizado da população com a política e com os políticos, acentuado pelas sucessivas e contínuas notícias de escândalos de corrupção e de moralidade pública;
– o ativismo judicial, que se em 2008 já apontávamos como intenso e exagerado, em 2016 já é parte do nosso cotidiano como se normal fosse, mas que tem representado uma subtração do poder de decisão sobre os grandes temas nacionais por agentes públicos (magistrados) que não possuem essa originária atribuição e nem se submetem à legitimação popular do voto para a realização das escolhas, definição de prioridades e tomada de decisões políticas e sobre políticas;
– a cada vez mais intensa, a despeito do surgimento e consolidação das novas mídias (em especial via internet), influência dos meios de comunicação social de massa na formação da consciência crítica e da opinião pública, sendo fácil constatar, todavia, que os grandes grupos privados concessionários de serviços de rádio e televisão detêm o oligopólio dessa ampla difusão de ideias e pensamentos, além do viés informativo que melhor se apresente à defesa sistemática e global de seus interesses enquanto grupos econômicos e, sendo assim, a toda evidência, comportam-se, abertamente ou de modo subliminar, como atores políticos de nefasta influência no processo decisório nacional, sendo grave que o façam por meio de canais e frequências que são propriedade pública;
– o golpe institucional de 2016, que acentuou para muitos setores da sociedade a percepção de que o voto direto nada vale, quando os que detêm os fatores reais de poder tomam a decisão de governar como queiram e com que representantes queiram.
É, sem dúvida, um caminho de despolitização da política, tão perigoso para a democracia em momentos nos quais, como agora, a escalada de medidas de exceção – que vêm se arrastando ao longo dos últimos vinte e cinco anos, tensionando contra a inteira consolidação de nosso processo de redemocratização pós-constituinte de 1987/1988 e avançando paulatinamente aproveitando-se das brechas ainda não supridas em nossa longa transição “lenta, gradual e segura” projetada pela ditadura militar – alcança expressa fundamentação em acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sobre o qual falaremos especificamente na próxima semana.