A “emenda da bengala” estadual

A Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe aprovou emenda à Constituição do Estado (emenda n° 46/2015, publicada no Diário Oficial na data de 06/11/2015) que altera a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos estaduais, de 70 para 75 anos.

Trata-se de instituir, no plano do Estado de Sergipe, aquilo que a emenda à Constituição Federal n° 88/2015 (promulgada em 07 de abril de 2015) já fez em relação a todos os servidores públicos do país, condicionada sua eficácia integral à regulamentação em lei complementar (nova redação do inciso II do § 1° do Art. 40), ressalvados os casos de Ministros do STF, Tribunais Superiores e Tribunal de Contas da União, em que a idade de 75 anos para aposentadoria compulsória já possui eficácia plena (Art. 100 do ADCT, acrescentado pela emenda n° 88/2015).

Confira-se:

Redação original Redação dada pela Emenda n° 88/2015
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
(…)
II – compulsoriamente, aos 70 (setenta) anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:
(…)
II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar;
(ADCT) Art. 100. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal

Portanto, algumas questões se apresentam: podem as Constituições Estaduais estabelecer regramento autônomo sobre requisitos para aposentadoria compulsória de servidores públicos, em desacordo com os requisitos estabelecidos pela Constituição Federal? Pode emenda à constituição estadual fazer as vezes de lei complementar e regulamentar dispositivo da Constituição Federal?

As respostas são todas negativas e a conclusão é de que são múltiplas as inconstitucionalidades da emenda à constituição do Estado de Sergipe n° 46/2015.

Em primeiro lugar, o regramento da Constituição da República sobre aposentadoria de servidores públicos – inclusive de magistrados e membros do Ministério Público (Art. 93, inciso VI – redação conferida pela emenda 20/98 – e Art. 129, § 4° – redação conferida pela emenda 45/2004) – aplica-se diretamente aos servidores públicos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, conforme disposto explicitamente no caput do Art. 40. O que quer dizer que não há margem para Estados, Municípios e Distrito Federal dispor, nem mesmo por meio de suas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, sobre o assunto, a não ser para reproduzir aquilo que já se contém na própria Constituição Federal.

Pois bem, e o que dispõe a Constituição Federal a respeito? Como indicado acima, dispõe que a aposentadoria compulsória do servidor público por idade ocorrerá aos 70 anos (aplicabilidade imediata e eficácia plena) ou aos 75 anos na forma de lei complementar (eficácia limitada). A propósito, embora o Congresso Nacional tenha aprovado projeto de lei complementar de inciativa parlamentar regulamentando o dispositivo, a Presidenta da República o vetou, sob o fundamento da inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa que, a seu juízo, é privativa dela, Presidenta da República.

O fato é que, enquanto não for promulgada essa lei complementar nacional, regulamentando uniformemente para todos os servidores públicos a idade de 75 anos para aposentadoria compulsória, apenas os Ministros do STF, do TCU e dos Tribunais Superiores é que poderão se aposentar compulsoriamente aos 75 anos de idade, por força do Art. 100 do ADCT acrescentado à Constituição Federal pela emenda n° 88/2015 (aliás, isso chegou a ser decidido pelo STF que concedeu medida liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5316, em 21/05/2015, assentando a não aplicação da idade de 75 anos enquanto não editada a lei complementar regulamentadora).

Emenda à Constituição Estadual, por óbvio, não pode fazer as vezes de lei complementar nacional e regulamentar matéria da Constituição Federal reservada a lei complementar (aliás, nem mesmo a própria Constituição Estadual “originária” pode cumprir esse papel); e ainda que os Estados pudessem tratar do assunto, o fato de fazê-lo por emenda à constituição estadual e não por meio de lei seria uma forma de burlar a exigência constitucional de regulamentação da matéria por meio de lei para o fim de subtrair a prerrogativa do veto do Chefe do Poder Executivo.

Absolutamente inócua, portanto, a decisão da Assembleia Legislativa de Sergipe em aprovar emenda à Constituição do Estado que altera a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos estaduais, de 70 para 75 anos; nenhuma validade há nessa alteração, sendo muito provável a sua breve declaração de inconstitucionalidade pelo STF e consequente não aplicação de seus comandos aos servidores públicos no âmbito do Estado de Sergipe, inclusive magistrados e membros do Ministério Público.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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