Uma das melhores coisas que temos no mundo são os amigos
Há quem chegue a afirmar que, em certos casos, os amigos são melhores, até mesmo, do que os próprios irmãos. E justificam com argumentos fortíssimos. Dizem que os irmãos a gente não escolhe, nos são impostos pela conveniência de nascerem do mesmo pai e da mesma mãe, enquanto os amigos nós os escolhemos. É como dizem por aí, um bom amigo vale ouro.
O reencontro com um amigo é sempre uma oportunidade muito gratificante. Rever um velho camarada de infância, depois de um certo tempo é como voltar no passado, e visitar aqueles locais de saudade, porque quase sempre se fala do passado e das travessuras ou brincadeiras que se fazia quando criança, comenta-se sobre os sonhos que tínhamos, sobre as pessoas daquela época, sobre namoradas e outros amigos, sobre nossas casas e nossas ruas… Enfim, o reencontro nos transporta para aqueles desvãos de saudade. Ah, como éramos felizes e não sabíamos!
Há pouco, passei por isso. Infelizmente não chegou a ser um encontro, pois ele mora no Rio de Janeiro e eu estou aqui em Sergipe. Mas, graças à tecnologia moderna, um dia desses me deu saudade e perguntei-me: será que encontro o telefone do meu amigo João Aragão? Um amigo de infância. Eu creio que, se vivo for, ainda mora no Rio. Pesquisei no WWW.via102.com.br, coloquei a cidade, o nome e, surpreendentemente, apareceu não somente o número do seu telefone, mas também o seu endereço completo. Fiquei tão alegre que imediatamente liguei. Foi uma belíssima surpresa para ele. A princípio, não conseguia unir as coisas, mas houve um momento de muita emoção, quando ele entendeu quem era eu e que depois de 42 anos, voltávamos a falar um com o outro, pois o nosso último contato foi em 1967, quando tínhamos então 17 anos.
Passado o momento da emoção do reencontro, começamos a falar sobre a vida, os nossos pais, irmãos, amigos, e também sobre as nossas famílias atuais, sobre as nossas esposas, os nossos filhos, as nossas profissões até que começamos a rememorar coisas daquela nossa infância despreocupada e feliz, bem como da nossa buliçosa adolescência.
Falamos das namoradas, da escola, das missas em latim, das bodegas e dos picolés de coalhada espetados num palito de fósforo usado, e congelados numa geladeira a querosene, a única da cidade.
Mas, meu amigo João, relembrou uma coisa que eu havia esquecido, e todo este preâmbulo que fiz foi para contar esta pequena história que, narrada hoje, parece bobagem. Mas, mesmo assim, espero que não se aborreçam comigo e, por favor, leiam.
Foi o seguinte: o meu sonho era ser padre, aliás, eu não sei se este sonho era meu ou dos meus pais, eu só sei que tentei por várias vezes entrar no Seminário, porém, sempre esbarrava numa coisa essencial, na falta de dinheiro, para pagar e para comprar o enxoval. Até que um ano, não me lembro muito bem quando, nós conseguimos a quantia que, imaginávamos suficiente para custear a minha estada naquela instituição e comprar o meu enxoval.
Fomos a Sobral e iniciamos o processo. De cara, percebemos que a quantia de que dispúnhamos era infinitamente inferior ao necessário e que, mais uma vez, não dar certo. Mas, já que estávamos ali, colhemos todas as informações, inclusive recebemos uma relação das coisas que eu deveria adquirir. Na lista do famoso enxoval, estava escrito, se não me falha a memória: 02 pijamas, 02 lençóis, 04 cuecas, 02 fronhas, 02 toalhas, escova, creme dental, pente…
Um objeto citado naquela lista chamou-me a atenção. Fiquei calado para ver se alguém dava uma pista para eu descobrir o que era aquilo. A mamãe olhava a lista, balançava a cabeça, e lamentava:
– Não vai dar para comprar tudo, meu filho.
Bem disso eu já sabia, que mais uma vez eu não ia entrar no Seminário. Eu já estava consciente.
A minha curiosidade mesmo era saber o que era aquela tal “fronha”. Pijama, lençol, cueca e toalha eu sabia o que era, mas “fronha”, o que era aquilo?
Esperei chegar a Groaíras e fui direto perguntar ao meu amigo João.
– João, tu sabes o que é fronha?
Eu, como um dos melhores alunos do Colégio, era orgulhoso e não queria que soubessem da minha ignorância em relação à bendita fronha.
Por isso não podia ficar perguntando a qualquer um. Se possível, nem às professoras. Tinha que descobrir e aprender sozinho ou através de meus pais ou meu amigo João.
– Fronha? Indagou, sei lá o que é isso.
– Pois é, rapaz, na relação do Seminário eles pedem duas fronhas e eu não sei o que é isso.
– Tem nada não, Domingos, amanhã vamos dar uma olhada no dicionário do Padre, (saudoso Pe. Cleano que era o diretor da minha querida Escola Paroquial Pio XII), e também proprietário do único dicionário da cidade.
No outro dia rumamos para a casa do Padre, com todo o cuidado, pois o Padre era muito rigoroso e não gostava de ser incomodado. Tínhamos que ter a devida cautela para não chegar na casa dele nos seus horários de refeição, descanso, oração ou leitura. Sobrava pouco tempo para a gente conseguir falar com ele ou alguém de sua casa. Tomamos coragem e batemos palma, demorou um pouco, batemos de novo, demorou mais um pouquinho aí apareceu a irmã do Padre.
– Pois não?
– Dona Cleide, era este o nome dela, nós queríamos dar uma olhada no dicionário, para descobrirmos uma palavra que não estamos entendendo.
– O Cleano está viajando e o dicionário está no quarto dele. Eu não posso mexer lá.
– Tá bom, depois a gente volta.
Aí, parece que se compadeceu da gente e perguntou:
– Qual é a palavra?
– Fronha, falamos juntos.
– Fronha? Vocês não sabem o que é uma fronha?
– Não, dona Cleide.
– Esperem aí.
E entrou na casa. Em pouco tempo estava de volta com um pano bordado com as iniciais R.C.M. adornadas com ramalhetes de flores.
– Mas é um saco bordado?
– Não, respondeu ela, isto aqui é usado para colocar dentro o travesseiro.
E, nós dois, em uníssono:
– Colocar dentro um travesseiro? E o que é um travesseiro???