Capa do Livro “A escola de Baden-Powell” |
A educação tem sido principalmente vinculada à escola. O processo pedagógico parece ser ajustado aos espaços ortodoxos das salas de aulas, dos edifícios escolares, com todas as caracterizações que o tempo consagrou. Educação como sinônimo de escola é corrente nas sociedades, independentemente do estágio de progresso dos povos. E a instrução pública foi um discurso constante, permeando as ações governamentais, e incorporando as idéias que circulavam nos ambientes de pesquisadores e teóricos, que pensaram sobre as formas de educar as crianças e os jovens.
A escola tornou-se, então, ao espelho da sociedade onde estava situada e para quem deveria exercer seu papel, um ente moral, estabelecendo controles sobre o conhecimento, tanto aquele que o aluno é portador, como herança de sua casa e do seu habitat, quanto o que é acumulado como produto de gerações, e que se torna referência universal nas salas de aulas. Mudaram os modelos, as técnicas, os métodos, os currículos, os parâmetros de todos os conteúdos, a didática, a gestão da escola, mas esta sobreviveu como tempo sagrado da educação. E por mais que tenha fracassado em seus resultados, a escola não perdeu, nunca, a hegemonia do conhecimento e de sua distribuição.
O escotismo pretendeu ser uma escola fora da escola, uma relação cultural no contato com a natureza, fora dos limites metrificados dos edifícios escolares. Talvez o escotismo tenha sido o maior e mais completo esforço, feito no sentido de criar outras vias para a formação das crianças e dos jovens. E neste aspecto antecipa um debate, que tem animado grupos em todo o mundo, e que diz respeito a convivência das pessoas com o meio ambiente em que vivem e devem viver as futuras gerações. E vai além, ao patrocinar organizações e ações próprias, que se mostraram úteis e exemplares, no contexto das relações entre os jovens.
O escotismo radicalizou uma posição, quanto ao formalismo da escola, trocando a sala de aula pela lúdica e pela liberdade do campo, mas organizou-se, também, com sua ortodoxia e com seus valores, tão rígidos como exigências, quanto os contidos nos Regimentos das escolas, que são regras discricionárias, autoritárias, castradoras e inibidoras da convivência social entre os estudantes.
A escola de Badem-Powell – cultura escoteira, associação voluntária e escotismo de estado no Brasil (Rio de Janeiro: IMAGO, 2008) é o livro do professor doutor Jorge Carvalho do Nascimento, especialista em história da educação e ele próprio um escoteiro, quando jovem. Revisitando acervos, juntando leituras, contatando com pessoas e entidades, o autor construiu um documentário distribuído em quatro capítulos: a pedagogia do escotismo, a cultura escoteira, o escotismo como associação voluntária, o escotismo de estado, precedidos de uma introdução subordinada ao título o escotismo como objeto dos estudos acadêmicos e, ainda, com considerações finais, notas e bibliografia, que completam a edição.
O livro do professor doutor Jorge Carvalho do Nascimento é obra madura, de pesquisa e de reflexão, que eleva o grau de interesse e a responsabilidade da cátedra, no contato com uma temática abrangente, que requereu exame cuidadoso, na produção de uma obra que passa a ser, no País, uma referência, como não há outra semelhante. A figura do general inglês Robert Badem-Powell e sua organização, criada para o aperfeiçoamento físico e moral dos jovens, o que inclui a vertente pedagógica do movimento, em paralelo ao mero contato com a natureza, toma lugar de destaque no livro de Jorge Carvalho do Nascimento
Embora criado na primeira década do século XX, entre 1907 e 1909, e praticado durante várias décadas, o escotismo tem raízes mais antigas e significados que de algum modo se perderam no tempo. E tem origem nelas, ou é muito provável que tenha, o hábito dos mochileiros, indo e vindo sem fronteiras, por várias partes do mundo. Badem-Powell sistematizou tudo o que havia antes, na Europa, e deu sentido novo e doutrinário ao escotismo. O professor doutor Jorge Carvalho do Nascimento aprofundou sua pesquisa e interpretação da obra do general inglês, com um livro esclarecedor, destinado a recordar as atividades de épocas vencidas, mas e notadamente as práticas pedagógicas que singularizaram o movimento, no âmbito da educação.
A historiografia de Sergipe ganha um novo título e com ele o autor põe na sua estante mais um exemplar da sua rica produção, concorrendo para que a cultura obtenha no seu acervo e repertório um tributo de talento, competência, zelo profissional, responsabilidade na pesquisa e na reflexão, como um exemplo que vale para alunos e professores, produzindo um saber necessário, capaz de ensejar uma discussão plena, em torno da qual possam juntar-se peculiaridades do cotidiano dos jovens escoteiros, no Brasil e em Sergipe, do qual são guardadas lembranças, que serão agora evocadas com a leitura do livro A escola de Baden-Powell. De leitura agradável, repleto de informações e de comentários pertinentes, o livro do professor doutor Jorge Carvalho do Nascimento é, a um tempo, rigorosamente acadêmico, mas é, também, atraente como literatura revestida de conteúdo histórico e vivencial. A impressão que dá, finalmente, é que nada escapou da lente do pesquisador, nada ficou de fora do registro, nada tornou-se menos importante, e assim, um tema que poderia parecer menor, eleva-se, grandioso, como um capítulo da história da educação.