A falência da política

Uma vez uma corrente intelectual decretou o fim da história. O mundo teria atingido um nível tal de equilíbrio, após o triunfo da democracia liberal ocidental, que as mudanças radicais dos processos históricos tinham ficado para trás e não se repetiriam mais. Como se isso fosse possível. Sabe-se lá o que está por vir com esta revolução dos costumes que sacode a humanidade pós internet. Então não se trata aqui de decretar num ingênuo apocalipse o fim da política. Pelo contrário, talvez o que estamos vendo seja um recomeço.

Assim como o fim do poço na economia inevitavelmente significa o início de uma nova etapa de prosperidade, é possível que a representação partidária esteja no seu nível mais baixo, que tenha atingido o pré-sal da ética e da moralidade, e que agora nada mais possa acontecer que não seja um novo soerguimento ou a recriação dos partidos políticos.

Porque nunca na história deste país a política e os partidos tiveram tamanho descrédito e foram tão rejeitados pela sociedade. Uma pesquisa divulgada em julho pelo Instituto Datafolha, realizada por encomenda da Ordem dos Advogados do Brasil, para avaliar o grau de credibilidade de 14 instituições, revelou que 91% dos brasileiros não confiam nos partidos políticos. Apenas 7% disseram confiar.

O levantamento indicou que a população também não confia em instituições ligadas à política. Segundo a pesquisa, o Congresso Nacional conta com a confiança de apenas 15% dos entrevistados, enquanto que 82% não confiam, e somente 19% confiam na Presidência e nos Ministérios, enquanto 78% dos entrevistados não confiam.

Também sob a influência dos políticos, as empresas estatais já não merecem a confiança de 61% dos brasileiros, enquanto escassos 30% ainda confiam na Petrobras & Cia. E já não se confia nos bancos e financeiras (58%) e nem na polícia (51%).
No outro extremo da tabela, as Forças Armadas, a OAB e a Igreja Católica são as instituições mais confiáveis entre os brasileiros. São instituições que pouco ou nada têm a ver com a política partidária. Ainda são confiáveis o Poder Judiciário, a Imprensa, os Sindicatos e o Ministério Público, nessa ordem.

Sob clara influência das denúncias de corrupção dos últimos anos, 74% dos entrevistados revelaram-se contrários ao financiamento de campanhas dos partidos políticos por empresas privadas e 79% concordaram que o financiamento de empresas às campanhas políticas estimula a corrupção.

Numa clara demonstração de dissintonia com a sociedade, e numa votação de legalidade questionável, no final de maio a Câmara dos Deputados aprovou a proposta que inclui na Constituição Federal a doação de empresas privadas a partidos políticos. Todos já perceberam que empresa não financia campanhas à toa e que o retorno disso para a sociedade é mais corrupção.

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar a legalidade das doações, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do emblemático ministro Gilmar Mendes, quando o placar era de 6 votos a 1 pelo fim de doações de empresas a candidatos e partidos políticos.

Naquela corte mesmo, quase 40% dos senadores estão sob investigação. Dos 81 integrantes do Senado, pelo menos 30 respondem a inquéritos ou ações penais na mais alta corte do país. A maioria responde por crimes de corrupção, contra a Lei de Licitações e eleitorais.

Financiamento, dinheiro, poder… A luta pelo poder, razão de ser das agremiações partidárias em qualquer tempo e em qualquer lugar, transformou-se num vale tudo brutal justamente quando o nosso amadurecimento democrático sugeria que finalmente alcançaríamos o tão sonhado grau de civilidade institucional.

Aquele sonho construído no embate duríssimo, mas romântico, pelo fim da ditadura e pela construção da democracia parece que empacou e começou a ser rebobinado e andar para trás. Havia uma brisa de mudança no ar e havia uma música que embalava a esperança, cantada nas ruas e praças pelas pessoas que acreditavam no partido da estrela vermelha e no sindicalista barbudo e da voz rouca que a incorporava.

Mas o PT, o partido simpático ao socialismo que representou o farol ético que iluminaria as discussões importantes dos temas da vida pública brasileira, e mudaria os rumos dessa nação marcada pelo paternalismo e pelo golpismo, sucumbiu ao pragmatismo do vale tudo pela governabilidade. Que, em síntese, significa vale tudo pelo poder.

E só os cínicos atiram a primeira pedra, porque a ilusão perdida se aplica a todos os partidos. O PSDB abandonou o caminho da social democracia para atuar na lógica do quanto pior, melhor. Atropela suas convicções e tudo aquilo que um dia defendeu, como o ajuste fiscal, a reeleição e uma cordialidade que, agora se vê, era só de fachada.

O outro grande, o PMDB, há muito insiste no pior da prática fisiológica, o que lhe garante há 30 anos participar do governo, qualquer governo, e agora se deixa contaminar pelo messianismo daqueles que misturam discurso político com pregação religiosa.

Os pequenos partidos de esquerda não evoluíram no discurso e na prática, parecendo que ainda insistem em lutar pela derrubada do Muro de Berlim. Enquanto os radicais de direita pregam a lei e o ódio para os contrários e, egoístas, o melhor da civilização para eles próprios. Nem um nem outro tem projeto factível que contribua com tudo o que o Brasil realmente necessita.

Sem partidos políticos não há democracia possível, mas diante da crise de representação que o Brasil vive está na hora de os eleitos e os que pretendem um dia se eleger se enxergarem como legítimos representantes do povo. Ou é o fim da política e o começo da barbárie.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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