As cantigas, os romances e os contos que caíram na tradição têm, muitos deles, autores conhecidos nas épocas em que viveram. É o caso de Diogo Hurtado de Mendonça (1503-1575), autor da Guerra de Granada, de Juan Rodrigues del Padron (1390-1450), com suas poesias, ou Juan Rufo (1547-1620), com Las Seiscentas Apotegmas, que na verdade são 707, e com Poesias, para citar uns poucos, espanhóis, que elevaram a criação artística às alturas da reflexão e do pensamento, deixando uma contribuição forte, que tem vencido o tempo aos nossos dias com o vigor juvenil da repetição, na oralidade consagradora.
A vigência de obras medievais e renascentistas no Novo Mundo é, ainda, matéria a ser esclarecida. O mestre Luiz da Câmara Cascudo atribuía ao fato folclórico quatro características, que eram: a oralidade, a antigüidade, a persistência e o anonimato. Tais características identificadoras, perderam a força no reconhecimento de todo o material popular, em poesia ou em prosa. Mas parece haver um momento, no qual o que tem autoria passa para o povo sem a chancela do autor, e no povo, sobrevive como anônimo. A noção da perda da autoria, ou a obra do autor passa, no uso do público, como anônima é um dos problemas pendentes de solução no âmbito da cultura.
A sobrevivência do fato cultural decorre de muitos fatores, principalmente decorre da vigência, permanente, invariante, de certos e determinados valores, que emolduram a vida humana na organização das sociedades. Valores caros ao ser humano, reforçados no ambiente da família, e que funcionam como regras de convivência entre os grupos sociais. Daí as obras velhas guardarem a visão das velhas sociedades, com seus interesses permanentes, que a filosofia, mais que qualquer outra ferramenta da cultura, tem conseguido identificar e guardar. Não sem razão, muitas das velhas obras encerram, a cada capítulo, uma afirmação moral.
No século XV, por exemplo, Hernando, ou Fernando de Pulgar ( 1430-1493), que ocupava lugar destacado na burocracia da Coroa espanhola, compõe Glozas sobre Coplas, com personagens que ele cria para tratar das dificuldades dos Governos. Lá estão, bem afirmadas, as Virtudes Cardeais: Justiça, Fortaleza, Prudência e Temperança, dadas como perdidas, e ao mesmo tempo lamentadas, pois pareciam ser pilastras fundamentais do Reino, este tomado na sua existência genérica, sem a geografia fixa dos seus limites. A falta que faziam as Virtudes Cardeais perdidas deveria ser compensada, sem as quais as conseqüências para o povo seriam a guerra, a fome e a morte.
Tomando a virtude da Prudência, apenas, se tem a noção do substrato filosófico, dominante do tempo. Para Hernando del Pulgar, a Prudência tem três partes: a 1ª, a do Entendimento, que dispõe e ordena as coisas presentes, respeitando as coisas do passado; a 2ª, a de saber frear a língua a ser modesto com as palavras; e a 3ª, a de saber fugir do mal e escolher o bem. Para ele, ainda, o ofício da Prudência é o de conhecer os incovenientes e enganos, e dispor retamente, as coisas que ocorrem na vida. No tempo de Kant (1724-1804), a Prudência era a habilidade na escolha dos meios, para obter para si próprio o maior bem-estar, o que significa uma apreensão do sentido filosófico do texto quinhentista.
Filosoficamente o sentido mais usual faz a Prudência, a qualidade do caráter que consiste na reflexão e na previdência pelas quais se evitam os perigos da vida, o que também tem todo o parentesco com a meditação de Hernando del Pulgar. E continua assim, na língua portuguesa, como sinônimo de cautela e de preocupação, o que não deixa de ser uma manifestação da habilidade na arte de ser feliz, desejo de todos. Certamente que houve, de lá para cá, uma meditação indispensável da Igreja, valorando as suas próprias virtudes, enquanto a história constrói, no tempo, sua estrada como ciência do homem, fazendo da biologia a sua fatalidade.
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