A Guerra e o Amor no Mar de Sergipe

                                                       Luis Antônio Barreto

                                                  BAEPENDY, testemunho de um náufrago

                                                                                    A  Jocélio, pela colaboração

Navio Baependy (Foto: Divulgação)

O BAEPENDY, velho navio, navegando com passageiros e cargas, foi o primeiro a ser torpedeado pelo submarino alemão U-507, na costa de Sergipe. Foram duas cargas, seguidas, de torpedos, que semearam o horror entre adultos e crianças, civis e militares, numa provocação deliberada, agressão sem precedentes, que tingiu de sangue a praia sergipana, e exigiu do Governo brasileiro uma posição firme diante do quadro de guerra que crescia na Europa.

Entre os passageiros do navio torpedeado viajava o Oficial de Artilharia do Exército brasileiro,  Capitão Lauro Moutinho dos Reis, que sobreviveu e contou, meses depois, a sua luta e de outras vítimas para escaparem da tragédia, assinando artigo na Revista Seleções do Reader’s Digest, edição de março de 1943, intitulado A Tragédia do BAEPENDY.  Diz o militar:

“ Deixamos o porto de Salvador, Bahia, às sete horas da manhã, rumando para o norte. Do Rio até ali o mar tinha estado calmo. Agora se apresentava picado, espumoso, com fortes marolas, e o velho BAEPENDY arrastava-se, moroso, balançando desagradavelmente.

O vapor ia repleto – umas trezentas e cinqüenta pessoas, incluindo a tripulação e uma unidade do Exército, cujos componentes – oficiais e soldados – iam acompanhados de suas famílias, algumas com muitas crianças.
Como esse dia – 15 de agosto – era o aniversário natalício do Comissário de Bordo, um excelente homem, o jantar foi festivo, a orquestra tocou animadamente e a alegria reinou a bordo até bastante tarde. Enquanto no salão se dançava, lá fora na popa, os soldados – quase todos cariocas – trepados em canhões e grandes caixas, reunidos em grupos, tocando pandeiros e batendo em latas, cantavam sambas à moda do morro.

Noite fechada, as luzes todas apagadas, navegávamos a ums 20 milhas da costa, quando súbito um tremendo estampido sacode violentamente o velho barco. Quebram-se as vidraças; o madeiramento range, estala, racha, e, arremessados por forças invisíveis, voam estilhaços de vidro e madeira para todos os lados. Caem as primeiras vítimas, e há diversas pessoas com o rosto sangrando, devido a ferimentos provocados por fragmentos de vidro.

As máquinas param, o vapor altera o rumo abruptamente e somos jogados pela inércia, com força, para a frente.
O primeiro instante deixa todas as pessoas imóveis de espanto, a respiração suspensa, as fisionomias pálidas e angustiadas… Não há gritos; nenhum pânico. Percebe-se em cada um o esforço mental para entender o ocorrido, para buscar uma solução pressentindo a gravidade do terrível momento…

Estou no vestíbulo, de onde partem as escadas para o deck superior e para os camarotes de baixo. Tomado de surpresa, tenho imediata intuição do sucedido: fomos torpedeados! Logo a seguir ouço o apito surdo do navio, pedindo socorro… O BAEPENDY começa a adernar.

Corro ao meu camarote ale perto, empurro a porta, que felizmente não ficou emperrada, apanho rápido o meu salva-vidas, e saio.

Há muitas  pessoas no vestíbulo; umas, principalmente mulheres e crianças, paradas, como se esperassem que uma providência alheia as salve; outras caminhando febrilmente, na direção em que julgam encontrar salvamento. O navio aderna mais e mais; só podemos andar, agora, agarrados às paredes.

Alguns descem com dificuldade as escadas para os camarotes inferiores, em busca de salva-vidas, ou para se reunir às suas famílias; Infelizmente, para não voltarem mais… Estarão na companhia dos que nem sequer conseguiram sair dali.
Vejo tudo isso de relance, e, ainda enfiando o cinto salva-vidas, subo a escada para o deck de cima, em busca da minha baleeira; agarrado no corrimão, chocando-me com pessoas que descem, aturdidas, estou quse no alto, quando um segundo torpedo explode, abalando fragorosamente todo o navio. O corrimão, ao qual me agarrava, fica feito em frangalhos, e rolo na escada, de costas, em trambolhões, até a porta do refeitório, de onde saira. Entre o primeiro e o segundo torpedos, não decorreram mais de trinta segundos.” (Continua)

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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